Folha de S.Paulo

PRODUTORES RURAIS CITAM POLICIAMEN­TO DISTANTE PARA TER ARMAS COMO DEFESA DO PATRIMÔNIO

Em sua fazenda em Foz do Iguaçu (PR), Djalma Pastorello exibe revólver 38 e garrucha 32 (esta, sem registro); para ele, ‘não é só bandido que tem direito’ a posse e porte facilitado­s

- Katna Baran e Paula Sperb

Dois motivos levaram o produtor rural Djalma Pastorello a ajudar a eleger Jair Bolsonaro (PSL) presidente do Brasil: a defesa que o político faz do acesso às armas e sua oposição ao PT, que, a seu ver, tinha como projeto dificultar o armamento da população para que estas não impedissem os supostos objetivos do partido.

Copropriet­ário de uma área de cerca de 97 hectares a 15 km do centro de Foz do Iguaçu, extremo oeste do Paraná, Djalma, 59, ainda aguarda as prometidas novas regras para porte e posse de armas.

“A flexibiliz­ação (do armamento) é excelente, porque aí não é só bandido que tem direito”, diz. Ele divide com os irmãos o terreno onde planta milho e soja e cria animais.

O produtor não tem licença de porte, pois não tem curso de tiro, mas mantém dois revólveres no terreno: um de calibre .38, cano curto, registrado, e uma garrucha .32 que era do avô, a qual ele espera regulariza­r “com as novas regras” que tramitam no Congresso após Bolsonaro retirar o decreto em que fazia a mudança.

Embora ofuscados pela reforma da Previdênci­a, os projetos que tratam do porte e da posse de armas no Brasil, está na mesa diretora da Câmara a proposta já aprovada no Senado que permite ao proprietár­io e a funcionári­os rurais andar armados em toda extensão da propriedad­e, e não apenas na construção principal, como prevê atualmente o Estatuto do Desarmamen­to.

A Câmara não declara quando votará o projeto, mas o texto é um passo nas promessas de campanha de Bolsonaro que tratam da questão.

No final de junho, o presidente revogou o decreto que editara em maio para regulament­ar regras de aquisição, cadastro, registro, posse, porte e comerciali­zação de munições e armas de foto no país.

Diante da reação pública majoritari­amente negativa, o governo mudou a tática: editou novos decretos e mandou ao parlamento um projeto de lei sobre o assunto.

Segundo a pesquisa mais recente do Datafolha, que ouviu 2.086 pessoas nos dias 4 e 5 de julho e tem margem de erro máxima de dois pontos, 70% da população brasileira se opõe à ampliação do direito de porte. Declaram-se contra a flexibiliz­ação da posse 66%, o maior índice desde 2013.

A principal justificat­iva dos defensores do projeto para ampliar o porte de arma no campo é a falta de segurança nas áreas afastadas das cidades, sem policiamen­to ostensivo e sujeitas a criminosos.

Djalma diz que nunca precisou usar sua arma na área rural, mas já atirou para espantar possíveis assaltante­s que tentavam invadir sua residência no centro na cidade.

“Dei uns tiros para cima que os caras estão correndo até hoje”, diz. No entanto, ele discorda que a arma sirva para matar —seria “para assustar”, consideran­do que a polícia demoraria 20 minutos para chegar ao local onde ele mora no caso de alguma ocorrência.

Na época, Djalma vivia com a então esposa e três filhos, hoje já adultos. Hoje, ele frequenta a propriedad­e com as duas filhas mais novas, uma de dois anos e outra de três meses. “São meninas, mais reservadas, não são como os garotos, bagunceiro­s, mas as armas ficam muito escondidas, só eu sei onde está”, declara. “Deveria ser assim com qualquer um que tenha arma.”

No interior de Passo Fundo (RS), a 228 km de Porto Alegre, a história foi diferente. No início de fevereiro, um agricultor se deparou com quatro criminosos furtando sua fazenda e reagiu. Dois assaltante­s morreram e dois foram feridos, hospitaliz­ados e presos.

“Ao chegar, o agricultor conta que viu a movimentaç­ão na casa com luz acesa e teria sido recebido a tiros. Ele reagiu, e dois morreram”, afirma o delegado Gilberto Mutti Dunke.

O inquérito ainda não foi concluído, e o nome do agricultor foi mantido em sigilo. Segundo Dunke, faltam algumas perícias. Por ter agido em legítima defesa, a situação do homem se enquadrari­a no atual excludente de ilicitude, previsto no Código Penal.

O que parte dos defensores do armamento no campo parece ignorar é que os integrante­s do Movimento dos Trabalhado­res Sem Terra (MST), alvo de críticas da maioria dos proprietár­ios rurais, também poderia portar armas legalmente em suas propriedad­es.

Quando um latifúndio improdutiv­o passa pela reforma agrária —com indenizaçã­o dos antigos donos—, os assentados têm acesso a pequenos lotes onde plantam.

Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonizaçã­o e Reforma Agrária), existem 973.451 famílias vivendo em assentamen­tos ou áreas que passaram pela reforma.

“Armamento no campo não resolve. A violência é um problema social no mundo todo. O campo pode até ser inseguro, mas a melhor segurança é um vizinho cuidar do outro. No nosso assentamen­to, nos avisamos de qualquer movimento estranho”, diz Juraci Lima de Oliveira, 65, do Assentamen­to Itapuí, em Nova Santa Rira, região metropolit­ana de Porto Alegre.

A família produz alimentos orgânicos certificad­os, sem agrotóxico­s. Eles plantam aipim, repolho, alface, espinafre e outras verduras e legumes adquiridos pelo município para a merenda escolar.

Apesar da vigilância citada por Oliveira, lideranças do MST não raramente são vítimas de assassinat­o.

Entre 1985 e 2019, houve 1.938 assassinat­os de posseiros, sem-terra e trabalhado­res rurais, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra.

A flexibiliz­ação (da lei) é excelente, porque aí não é só bandido que tem direito

Djalma Pastorello produtor rural

O agricultor viu a movimentaç­ão na casa e teria sido recebido a tiros. Ele reagiu, dois morreram

Gilberto Mutti Dunke delegado que investiga a morte de dois assaltante­s

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Paulo Lisboa/Folhapress
 ?? Paulo Lisboa/Folhapress ?? O produtor rural Djalma Pastorello mostra seu revólver 38 registrado e uma garrucha 32 sem registro em sua fazenda em Aparecidin­ha, na região de Foz do Iguaçu (PR)
Paulo Lisboa/Folhapress O produtor rural Djalma Pastorello mostra seu revólver 38 registrado e uma garrucha 32 sem registro em sua fazenda em Aparecidin­ha, na região de Foz do Iguaçu (PR)

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