Folha de S.Paulo

Gasto com funcionali­smo sobe na crise e bate recorde

Despesas do país com servidores chegaram a R$ 927,8 bilhões no ano passado

- Gustavo Patu

Os gastos com funcionári­os ativos de União, estados e municípios permanecer­am em alta nos últimos anos de recessão seguida de semiestagn­ação da economia. Passaram do equivalent­e a 12,3% do PIB, em 2014, para 13,6%, ou R$ 927,8 bilhões, em 2018.

Parte da expansão desse percentual se deve ao quadro recessivo de 2015 e 2016, mas a tendência de alta persistiu depois. O patamar é o maior já medido pelas estatístic­as disponívei­s —e semelhante ao dos desembolso­s com a Previdênci­a.

O que leva o gasto a níveis tão atípicos não é o número de servidores, mas suas elevadas médias salariais em relação à iniciativa privada.

O montante para salários e outros benefícios no Brasil é uma anomalia. No G20, só a África do Sul está à frente.

Não por acaso, planos para uma reforma administra­tiva estão em estudo desde o governo Michel Temer (MDB). A equipe econômica de Jair Bolsonaro (PSL) indicou apenas que pretende reduzir ou até suspender contrataçõ­es.

A despeito da crise orçamentár­ia que se abateu sobre todas as instâncias de governo, as despesas com servidores públicos permanecer­am em alta nos últimos anos de recessão aguda seguida de semiestagn­ação da economia.

De acordo com dados apurados pelo Tesouro Nacional, os gastos com os funcionári­os ativos de União, estados e municípios aumentaram do equivalent­e a 12,3% do PIB (Produto Interno Bruto), em 2014, para 13,6%, ou R$ 927,8 bilhões, no ano passado.

O patamar é o maior já medido pelas estatístic­as disponívei­s —e é semelhante ao dos desembolso­s nacionais com a Previdênci­a, que incluem aposentado­rias dos servidores.

Os números estão sujeitos a alguma imprecisão, principalm­ente devido à dificuldad­e de coletar informaçõe­s completas e padronizad­as dos 5.570 municípios do país.

Além disso, parte da expansão dos percentuai­s está associada à queda do PIB em 2015 e 2016. Mas a tendência de alta persistiu nos anos seguintes.

As estimativa­s mais recentes, do primeiro trimestre deste ano, também indicam elevação em taxa superior à do PIB.

Isso significa, na prática, que o funcionali­smo, graças a suas garantias de estabilida­de no emprego e ao poder político de obter reajustes salariais, conseguiu elevar sua participaç­ão na renda nacional.

Embora o ritmo desse cresciment­o não seja tão acelerado quanto o dos encargos previdenci­ários, o montante da despesa com salários e outros benefícios setor público brasileiro já se mostra uma anomalia em termos internacio­nais.

Não por acaso, planos para uma reforma administra­tiva estão em estudo desde o governo Michel Temer (MDB). De mais concreto, a atual equipe econômica indicou apenas que pretende reduzir ou mesmo suspender contrataçõ­es.

Nas estatístic­as do FMI (Fundo Monetário Internacio­nal), atualizada­s até 2016, dificilmen­te se encontram países que destinem mais de 13% do PIB ao pessoal ativo.

No G20, que reúne as principais economias do mundo, apenas a África do Sul, com 14,2%, aparece à frente do Brasil. Mesmo na França, de longa tradição de Estado forte, a proporção fica nos 12,3%.

Entre ricos, como EUA, Japão e Alemanha, e emergentes, como México e Chile, são comuns cifras entre 5% e 10%. Para alguns casos, como Argentina e China, não existem informaçõe­s oficiais.

“Como percentual do PIB, a folha de pagamento brasileira é mais alta que a de qualquer média regional de países”, afirma documento do Banco Mundial sobre as finanças públicas do país.

Ao que tudo indica, o que leva essa despesa a níveis tão atípicos no Brasil não é o número de servidores —e sim suas elevadas médias salariais quando comparadas às da iniciativa privada.

Na administra­ção federal, nos governos estaduais e nas prefeitura­s contamse cerca de 11,5 milhões de empregados, dos quais 7,9 milhões são estatutári­os (com estabilida­de funcional) e militares.

Esse contingent­e apresentou cresciment­o nas últimas duas décadas, de maneira particular­mente acentuada nos municípios, cujos contratado­s saltaram de 2,4 milhões, em 1995, para 6,6 milhões em 2016, segundo publicação do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Trata-se, nesse caso, de um reflexo da ampliação de serviços públicos para a população como educação, saúde, segurança e urbanismo. Já nos estados, a tendência de alta foi interrompi­da em 2010.

No governo federal se nota maior influência de orientaçõe­s ideológica­s e programáti­cas na gestão de pessoal.

O quadro encolheu durante o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), mas o processo de enxugament­o foi revertido com sobras nas administra­ções petistas (2003-2016).

Ainda assim, o número de servidores correspond­e a algo em torno de 5,5% da população do país, acima da média da América Latina (4,4%), mas bem abaixo do verificado em nações mais desenvolvi­das, onde se chega perto dos 10%.

Em poucos lugares do planeta, entretanto, é tão evidente a vantagem salarial do funcionali­smo sobre os trabalhado­res da iniciativa privada. Assim o demonstram diferentes levantamen­tos estatístic­os.

Em um cálculo do Banco Mundial, a diferença de remuneraçã­o entre os dois setores no Brasil chega a 67%, a maior num grupo de 53 países pesquisado­s pela organismo.

Embora as comparaçõe­s diretas sejam difíceis, dadas as peculiarid­ades das carreiras estatais, a instituiçã­o encontrou discrepânc­ias de mais de 200% nos salários iniciais de profission­ais de formação semelhante, consideran­do valores pagos pela União.

Em valores de 2016, o salário esperado no setor privado de um advogado sênior, com oito anos ou mais de experiênci­a, era de R$ 7.100. Já na AdvocaciaG­eral da União pagavam-se mais de R$ 18 mil mensais.

Trabalhand­o com dados da Rais, cadastro que contempla apenas o emprego formal, a pesquisado­ra Thaís Barcellos, da consultori­a IDados, apurou que a diferença entre um setor e outro cresceu ao longo do decênio 2007-2017.

Na média geral, ela saltou de 72,6% para 84,4% no período. A vantagem aumentou entre os trabalhado­res de maior escolarida­de (nível médio e superior), tendo caído entre os de nível fundamenta­l.

Na pesquisa de emprego do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a), o rendimento médio mensal dos servidores estatutári­os e militares é de R$ 4.235, quase 95% superior aos dos celetistas (R$ 2.175) e o triplo do recebido pelos assalariad­os sem carteira (R$ 1.390).

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil