Com ações pendentes, Toffoli só agiu no caso Flávio
Presidente do Supremo atua em processo semelhante há dois anos e poderia ter determinado suspensão de investigações anteriormente
Antes de beneficiar o senador Flávio Bolsonaro em liminar, o presidente do STF, Dias Toffoli, se envolveu por dois anos em um processo sobre compartilhamento de dados fiscais, mas não viu motivo para suspender investigações. Outras 42 ações similares no Supremo aguardavam definição, tomada apenas com o caso Flávio.
são paulo Antes de beneficiar o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) em medida liminar nesta semana, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, atuou ao longo de dois anos em caso sobre compartilhamento de dados fiscais sem autorização judicial, mas não viu razão para determinar anteriormente a suspensão de investigações pelo país.
Flávio, filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), pegou carona em um recurso que tramita na corte, relatado por Toffoli. A ação questiona o uso de informações fiscais, sem autorização judicial, em uma condenação de SP.
Em abril de 2018, esse caso foi considerado de “repercussão geral” pela corte, ou seja, seu desfecho embasaria outros casos semelhantes.
Desde então, 42 outros processos, com origens diversas, foram colocados como dependentes dessa definição, sendo que quatro deles também são relatados por Toffoli.
A Folha analisou esses 42 processos, que tratam principalmente de crimes de sonegação fiscal, enquanto Flávio é investigado sob suspeita de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Como é um caso de repercussão geral, já em 2018 o ministro poderia ter suspendido as ações e investigações questionadas até que houvesse um julgamento definitivo do STF —mesmo sem que as partes envolvidas nos processos pedissem isso e não só as quatro ações em que é relator.
Essa decisão, no entanto, só foi tomada na segunda (15), após a defesa de Flávio apresentar, no âmbito do caso de repercussão geral, pedido para sustar as investigações.
O despacho que beneficiou o filho do presidente foi concedido no mesmo dia em que o pedido foi protocolado.
Flávio é investigado no Rio de Janeiro devido a movimentações atípicas suas e de seu ex-assessor Fabrício Queiroz identificadas pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) no âmbito da Operação Furna da Onça, que mirava deputados estaduais. Na decisão, Toffoli determinou a suspensão de processos e investigações que tenham utilizado dados detalhados do Coaf, Receita e Banco Central sem que tenha havido autorização judicial prévia. Antes de dar esse despacho, o presidente da corte por duas vezes já havia marcado o julgamento do caso original, a chamada repercussão geral.
O caso iria a plenário em março, mas não houve tempo para abordá-lo na sessão à época. Em junho, Toffoli remarcou o julgamento para 21 de novembro, data que agora será decisiva também para a investigação sobre Flávio.
O caso original, no qual a defesa de Flávio pegou carona, se refere à condenação por sonegação de impostos de um casal no interior de São Paulo.
A defesa dos réus conseguiu anulara sentença em segunda instância argumentando que houve compartilhamento indevido de dados sigilosos obtidos pela Receita junto a instituições financeiras sem prévia autorização da Justiça.
O recurso contra a anulação da sentença chegou ao Supremo em junho de 2017 e foi distribuído para Toffoli, na época em que o ministro ainda não era presidente da corte.
Três dias antes de tomar posse na direção do tribunal, em 2018, ele atuou para que esse assunto, até então não relacionado ao caso Flávio, permanecesse sob sua relatoria mesmo enquanto presidente do STF.
A maioria dos outros 42 processos trata de dados fiscais que foram enviados a investigadores pela Receita, nãop elo Coaf.Ne nhum dos processos dependentes da repercussão gera lé relativo acasos de grandes operações, como Lava Jato ou Zelotes.
Especialistas questionam o fato de Toffoli ter atendido, no âmbito do caso de repercussão geral, o pedido de uma pessoa que é afetada pela tese discutida, como Flávio.
Segundo Edilson Vitorelli, procurador da República e professor da Mackenzie, o Código de Processo Civil e o regimento do Supremo restringem a participação de pessoas afetadas na tramitação do caso de repercussão geral.
“Para que uma pessoa que seja afetada pela tese participe do processo, teria que apresentar algum fator especial que poderia contribuir com o debate em geral”, afirma.
Ele lembra que o IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), por exemplo, acompanha o processo como “amicus curiae” (interessado na causa), porque o resultado do julgamento provocará mudanças em ações penais de todo o país. Já o principal interesse de Flávio em participar éo seu próprio caso.
“O pedido do advogado [de Flávio] está sob sigilo, mas na decisão de Toffoli, que é pública, não há nenhum fator do qual se extraia uma capacidade de contribuição para esse debate”, acrescentou.
“A repercussão geral pode ou não gerar suspensão dos processos, isso é uma deliberação do próprio relator, mas um fator que causou estranheza é que essa suspensão não foi deliberada quando a repercussão geral foi conhecida e é uma decisão que, até onde se saiba, não tem um fato novo.”
O professor de direito da FGV-SP Rubens Glezer, que achou a decisão de Toffoli de bom fundamento, afirma que, apesar disso, a medida do ministro segue a tradição recente de outras determinações do STF e reforça a visão de que, na corte, “o casuísmo é uma regra”.
A reportagem enviou perguntas para o gabinete de Toffoli sobre o caso da repercussão geral na última quinta (18), mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.
No despacho na segundafeira, Toffoli escreveu que manter em andamento processos e investigações que poderiam ser anuladas mais adiante não era conveniente.
“Dessa maneira, impedese que a multiplicação de decisões divergentes ao apreciar o mesmo assunto. A providência também é salutar à segurança jurídica.”
Ao longo da semana, ele defendeu publicamente sua decisão. À Folha, na quarta (17), disse que “nenhuma investigação está proibida desde que haja prévia autorização da Justiça”.
“Qual seria a razão de não pedir permissão ao Judiciário? Fazer investigações de gaveta?”, questionou.
Afirmou ainda que “não se faz justiça por meio de perseguição e vingança sem o controle do Poder Judiciário”.
No dia seguinte, Toffoli disse que, se dados detalhados são compartilhados sem a participação do Judiciário, “qualquer cidadão brasileiro está sujeito a um vasculhamento na sua intimidade”. “E isso é uma defesa do cidadão.”
A Folha também procurou a defesa de Flávio e questionou os motivos que levaram o pedido a ser direcionado para o caso de repercussão geral.
O advogado Frederick Wassef disse que não poderia comentar a petição porque ela está em segredo de Justiça. Também afirmou que a decisão do Supremo foi correta porque “alcança todo brasileiro que tenha tido o sigilo bancário quebrado sem autorização judicial”.
Em julho de 2017 o procurador Deltan Dallagnol foi convidado para fazer uma palestra no Ceará, pediu cachê de uns R$ 30 mil, mais passagens para ele, a mulher, os filhos e estadia no Beach Park (“as crianças adoraram”). Em junho passado o ministro da Economia baixou a portaria 309, que reduzia os impostos de importação de bens de capital, informática e tecnologia. Dezoito dias depois, suspendeu-a. Nada a ver uma coisa com a outra? Elas mostram como a mão invisível do atraso leva o leão a miar.
Quem pagou a villeggiatura do doutor Dallagnol foi a Federação das Indústrias do Ceará, uma das estrelas do Sistema S, aquele em cuja caixa de R$ 20 bilhões arrecadados compulsoriamente nas veias das empresas o doutor Paulo Guedes prometeu “meter uma faca”.
Passaram-se seis meses sem que Guedes voltasse a falar no Sistema S, mas quando ele assinou a portaria 309 cumpriu uma das maiores promessas de campanha do capitão Bolsonaro. Baixando os impostos de importação de bens de capital e de equipamentos de informática, baratearia os preços de computadores, celulares e produtos eletrônicos. A alegria durou pouco pois recolheu-a prometendo revê-la.
A mão invisível de uma parte do patronato da indústria ganhou a parada mostrando ao governo que poderia bloquear seus projetos no Congresso. Ela já conseguira o arquivamento do projeto de abertura comercial deixado por Michel Temer. Esse jogo tem quase um século. Houve época em que era mais fácil comprar cocaína do que importar computador.
Quando a economia nacional começou a se abrir, o agronegócio foi à luta, modernizouse e hoje é internacionalmente competitivo. A indústria blindou-se atrás de federações (alimentadas pelo Sistema S), aliada a “piratas privados e criaturas do pântano político” (palavras de Guedes). Poderosa, preserva-se com leis protecionistas. Resultado: os piratas prosperaram, a indústria definhou e seus produtos custam caro. Já as federações, nadam em dinheiro, custeando palestras que poucos empresários sérios custeiam.
O capitão Bolsonaro é um mestre do ilusionismo. A cada semana agita o país com tolices (“golden shower”), impropriedades (o conforto de um trabalho infantil que não conheceu) ou mesmo irrelevâncias (a nomeação do filho para a embaixada em Washington, ganha um almoço de lagosta no Supremo Tribunal quem souber os nomes dos três últimos embaixadores nos Estados Unidos).
Quando um assunto relevante como a abertura da economia vai para o pano verde, o leão revoga a portaria 309 no escurinho de Brasília, prometendo revisá-la em agosto. A ver, pois essa orquestra tem muitos tambores e poucos violinos.
A trava de Toffoli
A trava do ministro José Antonio Dias Toffoli que congelou as investigações relacionadas com as contas do senador Flávio Bolsonaro mostra que a Justiça é cega e lenta para o andar de baixo. Para o de cima, a história é outra.
A ideia segundo a qual movimentações financeiras estranhas só podem ser compartilhadas depois de uma decisão judicial transformam o Coaf e a Receita Federal em sucursais do Arquivo Nacional. (Cadê o Queiroz?) Olhada de outro jeito, essas informações não deveriam ser usadas, sem ordem de um juiz, por procuradores voluntariosos, capazes de destruir reputações na busca de 15 minutos de fama.
Os advogados de Flávio Bolsonaro foram brilhantes ao engatar seu argumento a um litígio que nasceu em 2003 num posto de gasolina do interior de São Paulo. Os sócios do posto foram autuados pela Receita Federal, tiveram a conta bancária da empresa bloqueada pela Receita e passaram a mover o dinheiro como pessoas físicas. A Receita voltou a autuá-los e o Ministério Público enfiou-lhes uma ação penal. O advogado do posto de gasolina contestou a legalidade do compartilhamento de informações da Receita com o Ministério Público, perdeu na primeira instância e ganhou na segunda. O Ministério Público recorreu ao Supremo Tribunal, onde o processo entrou e ficou sonolento.
O caso foi para o gabinete do ministro Toffoli. Em abril do ano passado o STF entendeu que esse litígio deveria ter repercussão geral, ou seja, valeria para qualquer caso semelhante. O julgamento foi marcado para 21 de março deste ano e depois foi transferido para o próximo dia 21 de novembro.
Estavam assim as coisas, quando os advogados de Flávio Bolsonaro tinham um habeas corpus para ser apreciado no Rio de Janeiro e decidiram engatar seu caso ao do posto de gasolina de Americana (SP), pedindo uma liminar. Como o Supremo está em férias e seu presidente torna-se plantonista, coube a Toffoli tomar a decisão, com repercussão geral, congelando a essência da investigação das contas de Flávio Bolsonaro.
A briga do posto de gasolina de Americana com a Receita começou em 2003 e estava no STF há mais de um ano. A Justiça é lenta, mas às vezes não tarda.
O terrivel Maklouf
Vem aí o livro “O Cadete e o Capitão”, do repórter Luiz Maklouf Carvalho. Ele conta a carreira militar de Jair Bolsonaro e revisita o episódio dos anos 1980 em que o jovem oficial foi submetido a um Conselho de Justificação que considerou “seu comportamento aético e incompatível com o pundonor militar. O caso foi para o Superior Tribunal Militar e lá ele foi considerado “não culpado” das acusações do conselho. O capitão deixou o Exército e elegeu-se vereador no Rio.
Bolsonaro era um jovem ativista crítico da política salarial dos militares, havia tomado 15 dias de cadeia por indisciplina. Ele era acusado de ter desenhado um croquis com um plano de explosão da adutora do Guandu, no Rio de Janeiro.
Pela sua documentação, o livro de Maklouf é encrenca da boa. Assim como foi encrenca da boa sua reportagem mostrando que a presidente Dilma Rousseff nunca concluíra o doutorado pela Unicamp que enfeitava sua biografia oficial.
O tesouro da UFRJ
O projeto “Viva UFRJ” sugere que a universidade pode arrecadar milhões vendendo seus terrenos na Praia Vermelha e na ilha do Fundão.
A área da Praia Vermelha pode valer bastante. No caso das terras do Fundão, a “vocação imobiliária” deixou de ser o sonho de um campus e foi noutra direção. Os interessados nos terrenos gostariam de construir galpões para apoiar a logística do aeroporto do Galeão.
Terreno baldio
De uma víbora que já viu de tudo e ouviu Bolsonaro e Paulo Guedes festejando o Mercosul que eles tanto atacavam:
“Campanha eleitoral é que nem terreno baldio, as pessoas passam por ele, jogam de tudo, de pneu velho a sofá quebrado.”
Dificuldade
O pessoal do Palácio do Planalto sabe que a reforma da Previdência chegou ao Congresso azeitada pela iniciativa tomada no governo de Temer e com relativo apoio na opinião pública.
Um projeto de reforma tributária não terá uma coisa nem outra.