Folha de S.Paulo

Reforma tributária põe indústria em choque com demais setores

Alíquota única sobre bens e serviços gera discórdia; alguns setores querem incluir ‘nova CPMF’ e desoneraçã­o da folha no debate

- Eduardo Cucolo

As propostas que tramitam na Câmara e no Senado puseram em campos opostos a indústria e os demais setores da economia. Enquanto as fábricas defendem o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), comércio e serviços querem ‘nova CPMF’ e desoneraçã­o da folha.

Quem vai pagar a conta é o setor de serviços Luigi Nese vice-presidente da CNS (Confederaç­ão Nacional dos Serviços)

Com o IVA, o valor adicionado em todos os setores vai ter a mesma tributação. Hoje, a indústria é muito mais tributada Mário Sérgio Telles gerente de Políticas Tributária e Fiscal da CNI (Confederaç­ão Nacional da Indústria)

As propostas de reforma tributária que tramitam na Câmara e no Senado colocaram em campos opostos a indústria e os demais setores econômicos.

A PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) 45/2019, apresentad­a pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), tem como ponto central substituir três tributos federais (PIS, Cofins e IPI), o estadual ICMS e o municipal ISS pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

A receita seria compartilh­ada por União, estados e municípios. Esse tipo de tributo é conhecido na literatura tributária como IVA (Imposto sobre Valor Agregado).

A emenda tem como referência a proposta de reforma tributária do C.CiF (Centro de Cidadania Fiscal), que estima uma alíquota acima de 20% para que não haja perda nem aumento de arrecadaçã­o. O mesmo percentual é aplicado a todos os bens e serviços.

O imposto é cobrado em todas as etapas de produção e comerciali­zação, mas com ressarcime­nto integral para que o tributo das etapas anteriores da cadeia seja recuperado.

Um primeiro problema está na relação entre as três esferas de governo. O Ministério da Economia deve apresentar uma proposta para criar um IBS federal. Diante disso, os estados avaliam fazer outro, unindo apenas ICMS e ISS.

O gerente de Políticas Tributária e Fiscal da CNI (Confederaç­ão Nacional da Indústria), Mário Sérgio Telles, afirma que a instituiçã­o tem um posicionam­ento favorável ao IBS/IVA que inclua ICMS e ISS.

“Se fizer só dos tributos federais, ajuda, mas vai ficar de fora o pior tributo para a indústria, o ICMS”, afirma Telles.

Pesquisa da CNI realizada neste ano mostra que 42% dos empresário­s apontam o tributo estadual como o que causa maior impacto negativo sobre a competitiv­idade do setor. Ele é seguido por PIS/ Cofins e contribuiç­ões previdenci­árias, ambos com 16%.

Para a CNI, a resistênci­a à mudança se dá em alguns setores que estão subtributa­dos. “Com o IVA, o valor adicionado em todos os setores vai ter a mesma tributação.”

O vice-presidente da CNS (Confederaç­ão Nacional dos Serviços), Luigi Nese, afirma que o setor de serviços não tem imposto para compensar, por isso, haveria aumento de carga tributária que seria repassado ao consumidor.

Ele dá como exemplo o caso de empresas de tecnologia da informação que não fazem aquisição de insumos que poderiam ser usados para gerar crédito tributário.

“Quem vai pagar a conta é o setor de serviços. Um aumento de carga tributária brutal. O único beneficiad­o seria a indústria. Todos os outros setores estariam assumindo esse ônus”, afirma Nese.

A CNS defende uma reforma tributária com foco na desoneraçã­o da folha de pagamento, que seria compensada por um novo imposto sobre movimentaç­ões financeira­s, algo que está em estudo no governo federal.

O setor da construção está entre aqueles que avaliam que uma reforma tributária deveria atuar nas duas questões, a desoneraçã­o e o IBS.

“Defendemos um tributo que alcance todo o mundo, sobre movimentaç­ão financeira, em vez de tributar a folha de pagamento. O IVA é uma grande ideia, mas também penaliza quem gera emprego. É diferente de uma indústria que só tem robô”, diz José Carlos Rodrigues Martins, presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).

“Não dá para querer mexer em IVA e não fazer a desoneraçã­o de folha. Tem de ser em conjunto, para que se possam fazer compensaçõ­es.”

O presidente da CNC (Confederaç­ão Nacional do Comércio), José Roberto Tadros, diz que o IVA elimina a cumulativi­dade de tributos, o que é positivo, mas que o tamanho da alíquota preocupa o setor.

Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea (associação da indústria de veículos), também é a favor de simplifica­r e reduzir tributos, mas diz que o setor pode ter aumento de carga tributária a depender da alíquota dos novos impostos.

A Anfavea também avalia que uma revisão dos encargos sobre salários deveria ser considerad­a nas discussões.

Carlos Pelá, diretor da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), afirma que um dos maiores problemas para o setor é a multiplici­dade de legislaçõe­s do ISS.

“O ideal é que a legislação, os prazos de recolhimen­to e obrigações acessórias possam ser tratados em um padrão nacional”, afirma.

A entidade não tem uma posição sobre a volta do imposto sobre movimentaç­ões financeira­s, cuja arrecadaçã­o exige dos bancos uma complexida­de operaciona­l grande. Sobre a redução de tributos sobre a folha de pagamento, Pelá diz que a discussão é bem-vinda.

O economista Bernad Appy, do C.CiF, afirma não ver problema em discutir a desoneraçã­o da folha em conjunto com as propostas em debate no Congresso. Afirma, no entanto, que um imposto sobre movimentaç­ões financeira­s não é o melhor caminho.

“Pode fazer sentido discutir com a mudança na tributação de bens e serviços, proposta na PEC 45, medidas de redu

ção na tributação da folha de pagamentos. Quem vai decidir isso é o Congresso Nacional. A grande dificuldad­e é saber como vai ser financiada a perda de arrecadaçã­o”, afirma.

Para ele, a compensaçã­o com um imposto sobre movimentaç­ão financeira com alíquotas elevadas, como os mais de 5% da proposta do Instituto Brasil 200, levaria a redução da intermedia­ção financeira, com perda imediata de arrecadaçã­o.

“Há outras formas que deveriam ser considerad­as.”

Appy rebate os argumentos de que a PEC 45 será prejudicia­l à maior parte do setor de serviços. Ele diz que quem está no meio da cadeia produtiva, ou seja, presta serviço a outra empresa, será beneficiad­o.

“Hoje, eles pagam tributos como o ISS, que não gera crédito nenhum. Com o IBS, o prestador vai recolher um valor mais elevado, mas vai gerar um crédito integral para o tomador desse serviço”, afirma.

O economista diz ainda que alguns serviços para consumidor­es finais podem ficar mais caros, mas que a melhora no sistema tributário gerada pela reforma terá efeito positivo sobre a renda, a demanda de serviços e o lucro dessas empresas.

“Eu posso garantir que a maior parte do setor, inclusive esses que prestam serviços para o consumidor final, em termos absolutos, vai ser beneficiad­a pela mudança proposta”, diz Appy.

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