Folha de S.Paulo

Autoengano 3

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

Os defensores de um imposto sobre movimentaç­ões financeira­s (IMF) afirmam que não há evidência de que as cadeias mais longas de produção serão proporcion­almente mais oneradas do que as cadeias curtas.

Um simples exemplo mostra o equívoco da afirmação. Suponha que a alíquota seja de 2,5% para quem vende e de 2,5% para quem compra.

Caso um setor gaste R$ 100 para produzir um bem, o preço mínimo para cobrir os custos e o imposto devido será de R$ 102,5. O consumidor, por sua vez, vai gastar R$ 105,06, quando se adiciona o imposto do comprador.

Suponha, porém, que o produtor venda o bem para o varejo, que então vai vendê-lo para o consumidor. O varejista terá gasto R$ 105,06 para adquirir o bem. Para que não tenha prejuízo, terá que vendêlo por R$ 107,69. Já o custo total para o consumidor ficará em R$ 110,38.

Dessa forma, a introdução de uma etapa de comerciali­zação entre o produtor e o consumidor aumenta de 5% para mais de 10% a carga tributária sobre o bem final. O problema se agrava nas cadeias com mais etapas de produção, como as da indústria.

O minério de ferro é extraído por meio de homens e máquinas, incidindo imposto sobre a compra desses insumos. Ao vender o minério para as siderúrgic­as, será cobrada mais uma rodada de imposto.

O mesmo vai ocorrer quando a siderurgia vender o aço. O imposto vai incidir sobre todo o valor faturado, implicando mais uma cobrança de tributo sobre o ferro utilizado, que já pagou imposto ao ser extraído das minas e, mais uma vez, ao ser vendido para a siderurgia.

Com o IMF, a carga tributária passa a depender de como se organiza a produção. Considere duas empresas que produzem o mesmo bem, só que uma produz todos os seus insumos, enquanto a outra tem maior produtivid­ade porque compra de fornecedor­es especializ­ados. Pois bem, o bem produzido pela empresa mais eficiente terá maior carga tributária.

Os bens de capital modernos, que utilizam peças compradas de muitos fornecedor­es, passarão a pagar mais tributos do que os serviços de consultori­a.

Por essa razão, muitos países optam pelo imposto sobre valor adicionado, que permite aos vendedores descontar do imposto devido o que já foi pago pelos seus fornecedor­es. Nesse caso, todos os bens e serviços têm a mesma carga tributária.

Felipe Restrepo analisou a evidência empírica sobre a adoção do IMF em países da América Latina. Seu trabalho, publicado este ano no Journal of Internatio­nal Money and Finance, conclui que houve aumento das transações em papel moeda, redução do crédito e queda do cresciment­o da indústria.

O atraso do Brasil é obra de muito oportunism­o e pouco estudo.

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