Espontaneidade do político conservador atrai eleitores
Imagem não convencional e franqueza em discursos são vistas como positivas
“Ele é como um slogan antigo de uma marca de cerveja: ‘chega a lugares que outros não alcançam’.”
A imagem é usada por um filiado ao Partido Conservador para descrever Boris Johnson, que, se as expectativas se confirmarem, deve se tornar líder da agremiação e primeiro-ministro do Reino Unido nesta semana.
O consultor de relações públicas David Roach, 37, é um dos cerca de 2.000 membros da legenda que, na última quarta (17), foram assistir ao último dos 16 encontros com os dois finalistas da corrida pelo comando do partido, em um centro de convenções no leste de Londres.
O oponente do ex-prefeito da cidade é Jeremy Hunt, atual secretário de Relações Exteriores e ex-titular da Saúde e da Cultura —correto, articulado, mas talvez um pouco opaco para os tempos atuais, além de muito associado ao governo Theresa May, que chega ao ocaso sem entregar o brexit.
“Veja como nos saímos na eleição para o Parlamento Europeu, em maio [9% dos votos, conquistando apenas o quinto lugar]”, diz Roach, adesivo “Back Boris” (apoie Boris) na lapela do paletó. “Precisamos de alguém especial, com carisma e personalidade, para reenergizar o partido.”
Ele lembra que Johnson rompeu a “bolha” do Partido Trabalhista (oposição) ao se eleger duas vezes em Londres e dobrou outro bastião progressista ao reunir público expressivo em comícios do “Leave” (sair) no norte inglês, durante a campanha para o plebiscito de 2016 — daí a alusão ao velho anúncio de cerveja.
“Nos últimos 20 anos, o discurso político foi ficando muito asséptico, seguro. É surpreendente ver alguém que fala o que vem à cabeça, sem ensaio, sem treinamento para lidar com a imprensa”, elogia o militante, referindo-se ao favorito. “Não concordo com tudo o que ele diz, mas sei que é sempre genuíno, vem do coração.”
A jornalista Drusilla Summers, 35, também saúda a suposta autenticidade de Johnson, além de destacar seu otimismo. Para ela, as críticas ao desinteresse dele por minúcias de políticas públicas não param em pé.
“[O ex-premiê] Gordon Brown e Theresa May eram detalhistas, mas não grandes líderes. Ele só precisa ter clareza do que deseja e se cercar de fortes. Nenhum governante é uma ilha.”
As gafes que tanto fazem falar de Johnson e turbinam certo ceticismo em relação a sua adequação ao posto de primeiro-ministro são, segundo a gerente de RH Tracy (que não quis dizer o sobrenome), uma “distração deliberada”.
“Ele é muito astucioso, sabe que isso o torna mais abordável, aproxima-o das pessoas. Fica parecendo alguém que você poderia parar para cumprimentar no meio da rua.”
Ela reproduz a impressão de muitos outros: a do deputado como uma figura assertiva, um fazedor. “Boris vai trazer um estilo diferente às negociações e vai entregar o brexit para podermos passar a outras prioridades, à criminalidade e à crise da habitação.”
Resta a saber se, em Bruxelas, sede do governo da União Europeia, Johnson também conseguirá chegar a lugares inauditos.
Chamar Johnson de palhaço é injusto com os palhaços OPINIÃO Alan Beattie
londres | financial times Você não precisa ler muitos perfis de Boris Johnson para perceber um determinado epíteto recorrente.
As pessoas têm muitas opiniões sobre o aparente favorito para ser o próximo premiê do Reino Unido. Mas quase todo mundo, ao que parece, pensa que ele é um palhaço.
É fácil perceber por quê. A aparência excêntrica, pelo menos par apolíticos: descabelado, roupas mal cuidadas, gestos exagerados —braços giratórios, mãos nervosas. Recursos extravagantes: agitando uma truta num comício para ilustrar uma frase (completamente falsa) sobre a pesca e o brexit. Johnson tem um talento para o teatro cômico acima da inteligência verbal típica do humor político britânico.
Masemboraotermo“palhaço”sejafrequentementeusado como insulto, é um elogio que ele não merece. O ofício dos “clowns” é uma forma de arte nobre, animada por um espírito do qual ele não comunga.
A comunidade britânica de palhaços profissionais está fervendo de indignação por sua atividade estar sendo humilhada por associação.
Certamente, os palhaços usam técnicas como movimentos exagerados e roupas incoerentes, derivadas de tradições seculares de teatro físico indisciplinado. Mas a verdadeira arte do “clown” é mais que uma palhaçada.
Jack Stark, um palhaço britânico conhecido no circuito de teatro e cabaré, diz: “Palhaços podem ser desajeitados e propensos a gafes, e vivem num mundo caótico. Mas como eles reagem a esse mundo é diferente. Os palhaços querem melhorar as coisas. Boris usa seu número para se livrar dos problemas criados por ele próprio”.
O teatro moderno dos clowns, desenvolvido pelo mestre francês Philippe Gaulier a partir dos anos 1960, diz que os palhaços são essencialmente crianças brincando.
Eles abraçam seus próprios fracassos, erros e mal-entendidos. Eles pretendem evocar empatia: seus percalços representam os percalços de todos. O público geralmente é incluído em suas brincadeiras, em vez de ser ridicularizado ou enganado.
John Wright, que estudou com Gaulier, teoriza que, ao contrário de muitos atores, os palhaços “declaram o jogo”. Eles seguram uma batata e insistem que é uma maçã. Mas eles piscam para o público, e todos entram na brincadeira.
Com certeza, palhaços e política podem se misturar. A arte do clown é frequentemente usada em protestos. Charlie Chaplin, o maior palhaço de todos, fez uma crítica ao capitalismo industrial em seu clássico filme da era da Depressão, “Tempos Modernos”.
Mas a política dos palhaços é subversiva e satírica, e não controladora e enganadora.
Políticos têm agendas; palhaços, não. Então, se Johnson não é um palhaço, o que é ele?
Um fato narrado pelo apresentador Jeremy Vine recentemente faz a revelação. Vine descreveu Johnson fazendo um discurso extremamente divertido depois de um jantar numa convenção, chegando ao último momento com quase nenhuma preparação visível e tropeçando em uma fala desordenada que, no entanto, trouxe a casa abaixo.
Vine ficou impressionado com a capacidade de improvisação de Johnson, até que viu exatamente o mesmo ato em outro jantar, 18 meses depois.
Muitos artistas reconhecerão isso não como palhaçadas, mas como comédia stand-up, em que os jogos verbais e os tiques físicos parecem espontâneos, mas são bem ensaiados.
Oliver Double, um ex-comediante que hoje ensina teatro na Universidade de Kent, diz que Johnson desenvolveu cuidadosamente uma personagem completa, assim como um humorista. Mas em vez de usá-lo para provocar risos, ele o emprega para promover sua carreira.
É possível que essa afetação não resista a escrutínio. Em uma entrevista na semana passada a Andrew Neil, Johnson parecia em pânico, malhumorado e fora de prumo, enquanto sua persona carismática não conseguia escapar de um anfitrião inabalável.
Ele recentemente cortou o cabelo e emagreceu, talvez para moderar sua aparência cômica. Seja qual for o modo como Johnson faz seu número, porém, ele não tem em si um verdadeiro palhaço. Chame-o de cômico, chame-o de “showman”, chame-o de bufão. Mas, por favor, não dê a Johnson o privilégio de ser chamado de palhaço.