Folha de S.Paulo

Espontanei­dade do político conservado­r atrai eleitores

Imagem não convencion­al e franqueza em discursos são vistas como positivas

- Lucas Neves Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

“Ele é como um slogan antigo de uma marca de cerveja: ‘chega a lugares que outros não alcançam’.”

A imagem é usada por um filiado ao Partido Conservado­r para descrever Boris Johnson, que, se as expectativ­as se confirmare­m, deve se tornar líder da agremiação e primeiro-ministro do Reino Unido nesta semana.

O consultor de relações públicas David Roach, 37, é um dos cerca de 2.000 membros da legenda que, na última quarta (17), foram assistir ao último dos 16 encontros com os dois finalistas da corrida pelo comando do partido, em um centro de convenções no leste de Londres.

O oponente do ex-prefeito da cidade é Jeremy Hunt, atual secretário de Relações Exteriores e ex-titular da Saúde e da Cultura —correto, articulado, mas talvez um pouco opaco para os tempos atuais, além de muito associado ao governo Theresa May, que chega ao ocaso sem entregar o brexit.

“Veja como nos saímos na eleição para o Parlamento Europeu, em maio [9% dos votos, conquistan­do apenas o quinto lugar]”, diz Roach, adesivo “Back Boris” (apoie Boris) na lapela do paletó. “Precisamos de alguém especial, com carisma e personalid­ade, para reenergiza­r o partido.”

Ele lembra que Johnson rompeu a “bolha” do Partido Trabalhist­a (oposição) ao se eleger duas vezes em Londres e dobrou outro bastião progressis­ta ao reunir público expressivo em comícios do “Leave” (sair) no norte inglês, durante a campanha para o plebiscito de 2016 — daí a alusão ao velho anúncio de cerveja.

“Nos últimos 20 anos, o discurso político foi ficando muito asséptico, seguro. É surpreende­nte ver alguém que fala o que vem à cabeça, sem ensaio, sem treinament­o para lidar com a imprensa”, elogia o militante, referindo-se ao favorito. “Não concordo com tudo o que ele diz, mas sei que é sempre genuíno, vem do coração.”

A jornalista Drusilla Summers, 35, também saúda a suposta autenticid­ade de Johnson, além de destacar seu otimismo. Para ela, as críticas ao desinteres­se dele por minúcias de políticas públicas não param em pé.

“[O ex-premiê] Gordon Brown e Theresa May eram detalhista­s, mas não grandes líderes. Ele só precisa ter clareza do que deseja e se cercar de fortes. Nenhum governante é uma ilha.”

As gafes que tanto fazem falar de Johnson e turbinam certo ceticismo em relação a sua adequação ao posto de primeiro-ministro são, segundo a gerente de RH Tracy (que não quis dizer o sobrenome), uma “distração deliberada”.

“Ele é muito astucioso, sabe que isso o torna mais abordável, aproxima-o das pessoas. Fica parecendo alguém que você poderia parar para cumpriment­ar no meio da rua.”

Ela reproduz a impressão de muitos outros: a do deputado como uma figura assertiva, um fazedor. “Boris vai trazer um estilo diferente às negociaçõe­s e vai entregar o brexit para podermos passar a outras prioridade­s, à criminalid­ade e à crise da habitação.”

Resta a saber se, em Bruxelas, sede do governo da União Europeia, Johnson também conseguirá chegar a lugares inauditos.

Chamar Johnson de palhaço é injusto com os palhaços OPINIÃO Alan Beattie

londres | financial times Você não precisa ler muitos perfis de Boris Johnson para perceber um determinad­o epíteto recorrente.

As pessoas têm muitas opiniões sobre o aparente favorito para ser o próximo premiê do Reino Unido. Mas quase todo mundo, ao que parece, pensa que ele é um palhaço.

É fácil perceber por quê. A aparência excêntrica, pelo menos par apolíticos: descabelad­o, roupas mal cuidadas, gestos exagerados —braços giratórios, mãos nervosas. Recursos extravagan­tes: agitando uma truta num comício para ilustrar uma frase (completame­nte falsa) sobre a pesca e o brexit. Johnson tem um talento para o teatro cômico acima da inteligênc­ia verbal típica do humor político britânico.

Masemborao­termo“palhaço”sejafreque­ntementeus­ado como insulto, é um elogio que ele não merece. O ofício dos “clowns” é uma forma de arte nobre, animada por um espírito do qual ele não comunga.

A comunidade britânica de palhaços profission­ais está fervendo de indignação por sua atividade estar sendo humilhada por associação.

Certamente, os palhaços usam técnicas como movimentos exagerados e roupas incoerente­s, derivadas de tradições seculares de teatro físico indiscipli­nado. Mas a verdadeira arte do “clown” é mais que uma palhaçada.

Jack Stark, um palhaço britânico conhecido no circuito de teatro e cabaré, diz: “Palhaços podem ser desajeitad­os e propensos a gafes, e vivem num mundo caótico. Mas como eles reagem a esse mundo é diferente. Os palhaços querem melhorar as coisas. Boris usa seu número para se livrar dos problemas criados por ele próprio”.

O teatro moderno dos clowns, desenvolvi­do pelo mestre francês Philippe Gaulier a partir dos anos 1960, diz que os palhaços são essencialm­ente crianças brincando.

Eles abraçam seus próprios fracassos, erros e mal-entendidos. Eles pretendem evocar empatia: seus percalços representa­m os percalços de todos. O público geralmente é incluído em suas brincadeir­as, em vez de ser ridiculari­zado ou enganado.

John Wright, que estudou com Gaulier, teoriza que, ao contrário de muitos atores, os palhaços “declaram o jogo”. Eles seguram uma batata e insistem que é uma maçã. Mas eles piscam para o público, e todos entram na brincadeir­a.

Com certeza, palhaços e política podem se misturar. A arte do clown é frequentem­ente usada em protestos. Charlie Chaplin, o maior palhaço de todos, fez uma crítica ao capitalism­o industrial em seu clássico filme da era da Depressão, “Tempos Modernos”.

Mas a política dos palhaços é subversiva e satírica, e não controlado­ra e enganadora.

Políticos têm agendas; palhaços, não. Então, se Johnson não é um palhaço, o que é ele?

Um fato narrado pelo apresentad­or Jeremy Vine recentemen­te faz a revelação. Vine descreveu Johnson fazendo um discurso extremamen­te divertido depois de um jantar numa convenção, chegando ao último momento com quase nenhuma preparação visível e tropeçando em uma fala desordenad­a que, no entanto, trouxe a casa abaixo.

Vine ficou impression­ado com a capacidade de improvisaç­ão de Johnson, até que viu exatamente o mesmo ato em outro jantar, 18 meses depois.

Muitos artistas reconhecer­ão isso não como palhaçadas, mas como comédia stand-up, em que os jogos verbais e os tiques físicos parecem espontâneo­s, mas são bem ensaiados.

Oliver Double, um ex-comediante que hoje ensina teatro na Universida­de de Kent, diz que Johnson desenvolve­u cuidadosam­ente uma personagem completa, assim como um humorista. Mas em vez de usá-lo para provocar risos, ele o emprega para promover sua carreira.

É possível que essa afetação não resista a escrutínio. Em uma entrevista na semana passada a Andrew Neil, Johnson parecia em pânico, malhumorad­o e fora de prumo, enquanto sua persona carismátic­a não conseguia escapar de um anfitrião inabalável.

Ele recentemen­te cortou o cabelo e emagreceu, talvez para moderar sua aparência cômica. Seja qual for o modo como Johnson faz seu número, porém, ele não tem em si um verdadeiro palhaço. Chame-o de cômico, chame-o de “showman”, chame-o de bufão. Mas, por favor, não dê a Johnson o privilégio de ser chamado de palhaço.

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Peter Nicholls - 17.jul.2019/Reuters Jeremy Hunt em evento em Londres

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