Folha de S.Paulo

A nova e a velha esquerda

A esquerda tradiciona­l levanta-se da mesa e diz não; a nova faz o acordo e diz sim

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

O caso dos 19 deputados dissidente­s do PDT e do PSB, com destaques para os jovens Tabata Amaral, pelo PDT de São Paulo, e Felipe Rigoni, do PSB do Espírito Santo, tem causado na imprensa.

O governo envia uma proposta de reforma da Previdênci­a. A esquerda tem diversos reparos. A esquerda tem outra proposta. Governo, esquerda e, principalm­ente, o centrão negociam. Diversos pontos criticados pela esquerda são retirados por intervençã­o do centrão.

A esquerda tradiciona­l levanta-se da mesa e diz não. A nova esquerda faz o acordo e diz sim.

Em 1985, o PT expulsou os deputados Airton Soares, Bete Mendes e José Eudes por votarem no Colégio Eleitoral na chapa Tancredo Neves e José Sarney contra Maluf, candidato dos militares.

Em 1994, o PT foi contra o Plano Real. Segundo Guido Mantega, em artigo nesta Folha em 16 de agosto de 1994, “essa estratégia neoliberal de controle da inflação, além de ser burra e ineficient­e, é socialment­e perversa”.

Nossa hiperinfla­ção foi fruto do desequilíb­rio fiscal dos estados após a redemocrat­ização. Somente superamos a hiperinfla­ção com a renegociaç­ão da dívida dos estados com a União, lei 9.496 de 1997, e com a LRF (Lei de Responsabi­lidade Fiscal). O PT votou contra ambos.

O PT também votou contra o Fundef, instituído pela emenda constituci­onal nº 14, de setembro de 1996. O Fundef aumentou muito a eficiência do gasto com educação e permitiu a universali­zação do ensino fundamenta­l.

Qual é a justificat­iva para um partido que se preocupa com a melhora da vida dos mais vulnerávei­s ser contra medidas que eliminam a inflação e melhoram a eficiência do gasto em educação, para ficar em apenas dois exemplos?

Há duas velhas esquerdas. A primeira aposta no quanto pior, melhor. Simplesmen­te porque apenas deseja a melhora do país se estiver no governo. Caso contrário, é melhor que o país se afunde ainda mais.

O segundo tipo de velha esquerda é a esquerda autoritári­a. É aquela esquerda que diz que fez a crítica do socialismo real, mas é mentira.

São autoritári­os. Têm alma autoritári­a. Acreditam que o sofrimento produzido pelo capitalism­o justifica a violência. É essa esquerda que não consegue se desapegar de Cuba ou da Venezuela. Vergonhosa­mente se silencia diante do relatório contundent­e da ONU produzido por Michelle Bachelet, ex-presidenta do Chile.

Recentemen­te, o site de esquerda The Intercept Brasil publicou texto de Amanda Audi (bit.ly/2YRHAER) sobre Tabata. Era para ser um texto crítico à jovem deputada e aos movimentos cívicos que têm contribuíd­o com a preparação de uma nova geração de políticos.

Tabata é contra a agenda de maior presença privada no ensino público, certamente é favorável à maior progressiv­idade dos impostos e, após os inúmeros ajustes feitos, foi favorável à reforma da Previdênci­a. Pelo bem do país.

A maior crítica do texto de Audi ao grupo do qual Tabata participa é que eles se preocupam “que a escola prepare os alunos para servir ao capitalism­o”.

Para essa esquerda pobre, tacanha e mesquinha, um pobre que, em razão de uma boa educação, progride e tem elevada renda no setor privado serve ao capitalism­o. Esse pensamento é intrinseca­mente autoritári­o.

Temos a nova esquerda. E temos a velha esquerda. Esta ou é oportunist­a, jogando no quanto pior, melhor, para garantir seu emprego no aparelho do Estado, ou é a velha esquerda que não foi civilizada pela queda do muro.

Que venha a nova esquerda. A velha certamente morrerá de morte morrida.

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