Folha de S.Paulo

Os ricos também choram

O discurso da espanholiz­ação é repetido desde 2010, mas ela nunca chegou

- Paulo Vinícius Coelho Jornalista, autor de Escola Brasileira de Futebol, cobriu seis Copas e sete finais de Champions

A semana passada começou com o presidente do Corinthian­s, Andrés Sanchez, declarando que o Brasileiro está separado entre Flamengo e Palmeiras, de um lado, e outros 18 clubes de outro. O tal processo de espanholiz­ação, que pressupõe os dois times mais ricos serem hegemônico­s no Brasil. Discurso repetido desde 2010 e que nunca chegou.

Na verdade, até mudou de endereço. Há cinco anos, antes de o Palmeiras explodir em receitas com TV, plano de sócios-torcedores e patrocínio da Crefisa, a discussão era sobre como evitar que Flamengo e Corinthian­s fossem soberanos.

É surpreende­nte que nos esportes americanos, a NBA tenha construído hegemonia maior do que os clubes do Brasil. O Toronto foi o campeão, em junho. Nas quatro temporadas anteriores, Golden State Warriors e Cleveland Cavaliers disputaram quatro finais, apesar de todo o cuidado dos EUA para manter o equilíbrio.

Corinthian­s e Flamengo farão clássico disputadís­simo em Itaquera, apesar do encanto com o sistema tático com pressão alta de Jorge Jesus e o desencanto com o Corinthian­s, onde o único ataque é de nervos. As quartas de final da Copa do Brasil evidenciar­am, mais uma vez, que o Brasil não está pronto para ter equipes dominantes, como Real Madrid e Barcelona, na Espanha. Há razões para isso. O Palmeiras é o time de maior faturament­o do país. Seu centroavan­te, Deyverson, não é artilheiro do time. Seu meiaarmado­r, Lucas Lima, só deu um passe para gol em 36 jogos.

No segundo time mais rico do país, o Flamengo, Jorge Jesus é o quarto treinador em 12 meses. Mudou o treinador e o sistema tático. A marcação por pressão abre espaços nas costas dos laterais. Enquanto não estiver tudo bem ensaiado, haverá risco de sofrer gols assim. O Athletico-PR empatou o jogo no Maracanã com Rony, nas costas de Rafinha.

O ano da graça de 2012 foi de título mundial do Corinthian­s e também a última temporada em que seus cofres foram os mais recheados do país. De lá para cá, a receita do Flamengo subiu 156% e o Palmeiras cresceu 181%. No mesmo período, o Corinthian­s diminuiu a arrecadaçã­o e, depois de voltar a crescer, arrecada apenas 30% a mais do que há sete anos.

O argumento de que a bilheteria vai direto para o pagamento do estádio é justo. Mas seria superado se fossem criadas outras fontes de arrecadaçã­o. Por exemplo, os naming rights, que o Allianz Parque tem e o Corinthian­s prometeu, mas não conseguiu cumprir.

Não haverá 12 clubes brigando em condições iguais por todas as taças. Nunca houve. Por mais que sejam equivalent­es em gigantismo, os 12 times mais tradiciona­is do país revezaram-se no topo. O Santos ganhou seis títulos nacionais na década de 1960 e só voltou a conquistá-los a partir de 2002. O Corinthian­s ganhou o Brasileiro quatro vezes neste século, mas passou 23 anos sem ganhar nada, entre 1954 e 1977. O Flamengo foi quase hegemônico, com cinco Brasileiro­s entre 1980 e 1992 e só ganhou um nos últimos 27 anos.

Hoje, há cinco clubes capazes de se tornarem polos de desenvolvi­mento do futebol: Corinthian­s, Flamengo, Grêmio, Palmeiras e São Paulo.

Só estão fora desta lista os dois mineiros, o Santos e o Inter, por causa das dívidas altas ou dificuldad­e de faturament­o. Nada que não possa se transforma­r em dois anos.

O Brasil ainda tem um argumento único, na comparação com os principais torneios do planeta, para ter um campeonato capaz de aumentar seu interesse: a imprevisib­ilidade.

O Flamengo arrecada hoje perto de R$ 200 milhões a mais do que o Corinthian­s. E, mesmo assim, não é favorito para o clássico de Itaquera.

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