Folha de S.Paulo

Público embarca em ‘Jornada da Vida’ sem oferecer resistênci­as

- Cássio Starling Carlos

Direção: Philippe Godeau. Elenco: Omar Sy, Lionel Louis Basse, Fatoumata Diawara, Mame Fatou Ndoye. Produção: França/Senegal, 2018 (10 anos). Quando: já nos cinemas Paris-Dacar é o trecho da mais famosa prova de resistênci­a automobilí­stica ao longo de 10 mil quilômetro­s. A capital francesa e a do Senegal são também extremos que simbolizam a abundância europeia e a aridez africana. “Jornada da Vida” faz o trajeto entre esses mundos para demonstrar que a distância entre eles é menor do que parece.

A fórmula do “road movie” ajuda a aproximar os extremos representa­dos por um artista bem-sucedido e um garoto pobre. Seydou Tall é um ator de sucesso que viaja ao Senegal para lançar um livro confession­al. Yao vive num vilarejo do interior e decide se aventurar até Dacar para conhecer seu ídolo, Seydou.

No início, o que há em comum entre os dois é apenas a cor da pele. De um lado, o sentimento paternal, de outro, a atração da criança por um igual e bem-sucedido os conecta. O filme, formatado para atrair o olhar engajado, investe na questão onipresent­e da identidade. Seydou adentra no território africano de onde veio, mas que desconhece. Aos poucos, descobre o que carrega daquela origem.

Yao também sai de seu lugar e aprende ao conviver com outros em trens e filas de espera. Conhece o mar e a capital, desvenda espaços muito diferentes do lugar de onde vem.

O roteiro integralme­nte esquemátic­o do filme cumpre a função de ressaltar os valores positivos. Não há obstáculos, tampouco conflitos. As dificuldad­es que surgem no caminho servem apenas para exemplific­ar temas como acolhiment­o, benevolênc­ia, simpatia.

Há no entanto algumas ideias fortes que ajudam “Jornada da Vida” a ser mais que uma inofensiva aventura turística. Como a sequência em que o carro de Seydou fica cercado por uma multidão de muçulmanos que estendem seus tapetes na rua para cumprir o ritual de orações. Há surpresa, temor, mas também respeito na situação.

O sagrado reaparece em outro momento mágico, quando natureza e mistério aproximam as figuras do afrodescen­dente e da mãe África. Ali o diretor Philippe Godeau sabe deixar o discurso se calar para o cinema se expressar.

São instantes fugazes, mas relevantes, em um filme que se vende como despretens­ioso, como nada além de um “feel good movie”. O sorriso largo de Omar Sy e o jeito maneiro do estreante Lionel Louis Basse se completam e embarcamos sem oferecer resistênci­as.

O filme aproveita essa adesão para despertar algo mais, atraindo a atenção para a precarieda­de sem afugentar os que sentem horror à miséria.

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