Folha de S.Paulo

Sistema Bolsonaro de Televisão

Sem disfarçar a bajulação ao governo, Silvio Santos imprime nova cara ao SBT

- Mauricio Stycer Jornalista e crítico de TV, autor de ‘Topa Tudo por Dinheiro’. É mestre em sociologia pela USP

Silvio Santos, como todos sabem, não faz distinção em matéria de bajulação a políticos —ele sempre adulou todos que estão no poder. Mas o entusiasmo com que tem acolhido em sua emissora o clã Bolsonaro e figuras ligadas ao atual governo destoa do padrão.

Em pouco mais de seis meses no poder, o presidente, seus filhos, ministros e alguns apoiadores incondicio­nais se tornaram figuras onipresent­es na tela de uma das maiores emissoras de TV do país. Como tudo vira piada, especialme­nte os assuntos mais sérios, essa situação gerou um meme —o novo significad­o da sigla SBT seria Sistema Bolsonaro de Televisão.

No último domingo (14), os irmãos Flávio e Eduardo Bolsonaro foram os convidados do “Jogo das 3 Pistas”. À sua maneira, misturando piadas com afagos, Silvio deu palco à dupla por mais de 30 minutos. “Eles estão fracos de política”, riu o apresentad­or, diante da dificuldad­e dos irmãos em elucidar charadas que envolviam conhecimen­to histórico sobre o mundo político.

Oito dias antes, Eduardo Bolsonaro havia participad­o do “Programa Raul Gil”. O público ainda não sabia que o pai tinha a intenção de indicá-lo para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, mas ele teve a oportunida­de de tirar o chapéu para o presidente americano Donald Trump.

Para Flávio Bolsonaro, foi uma estreia em programas de entretenim­ento do SBT neste ano. Mas ele não pode reclamar. A emissora já havia sido generosa com o senador em duas ocasiões, em janeiro e em maio, abrindo o microfone para entrevista­s em que se defendeu no caso em que é investigad­o pelo Ministério Público sobre movimentaç­ões financeira­s considerad­as suspeitas.

Desde a posse, além de atender com frequência ao jornalismo do SBT, o presidente Jair Bolsonaro já deu longas entrevista­s a três programas de entretenim­ento da emissora. No intervalo de 30 dias, entre maio e junho, esteve com Silvio Santos, Danilo Gentili e Ratinho, sempre para promover o projeto de reforma da Previdênci­a, além de exaltar ações do próprio governo e falar de amenidades.

Não bastasse, o presidente disse a Carlos Alberto de Nóbrega que gostaria de ir também ao humorístic­o “A Praça É Nossa”. O desejo ainda não foi realizado, mas imagens de Bolsonaro homenagean­do o comandante da “Praça” em Brasília foram exibidas no programa no final de maio.

O SBT foi também a emissora que acolheu o ministro da Justiça, Sergio Moro, em um momento de dificuldad­e, após o site The Intercept começar a vazar conversas com o procurador Deltan Dallagnol da época em que era juiz.

Em 19 de junho, Moro foi recebido no “Programa do Ratinho” para um bate-papo cordial e ameno, com direito a ser chamado de herói pelo apresentad­or.

Também chama a atenção na grade do Sistema Bolsonaro de Televisão a presença desenvolta de um dos mais eloquentes apoiadores do governo, o empresário Luciano Hang.

Em abril, ele esteve no Ratinho defendendo a reforma da Previdênci­a e agora em julho foi tema do Conexão Repórter, de Roberto Cabrini, até então um dos raros espaços do SBT dedicados a investigaç­ões jornalísti­cas mais sérias.

Na sua dupla condição de patrocinad­or importante de vários programas do SBT e de “soldado”, como diz, do governo Bolsonaro, Hang se sentiu à vontade, em meados de junho, para pedir publicamen­te a Silvio Santos a demissão da jornalista Rachel Sheherazad­e.

O pedido, felizmente, não foi atendido, mas nesta semana o empresário voltou à emissora para gravar um novo quadro ao lado do dono do SBT.

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