Folha de S.Paulo

Aziz Ansari troca graça por emoção ao usar assédio para fazer piada

Em especial de comédia, humorista é sincero e diz que ficou envergonha­do por causa de transa não consensual

- Teté Ribeiro

O show se chama “Right Now” (neste momento), mas a acusação de assédio que ele sofreu em janeiro do ano passado está de uma forma ou de outra presente em todo o roteiro. O comediante Aziz Ansari abre o programa falando do assunto, em tom sério, compenetra­do, sem entrar nos detalhes da história.

Mas vamos a eles. Em janeiro do ano passado, ele conheceu uma mulher de 23 anos. Os dois marcaram um jantar e depois foram para o apartament­o dele em Nova York, onde transaram.

No dia seguinte, ele mandou uma mensagem para ela dizendo “a noite passada foi divertida”. Ela respondeu: “Pode ter sido para você, mas não para mim. Você ignorou minhas dicas não verbais, continuou avançando. Estou explicando para você ficar alerta e para que talvez a próxima garota não vá chorando para casa”.

Numa última mensagem, ele disse: “Fico triste em saber disso. Claramente, entendi errado e estou arrependid­o”.

A garota denunciou o comediante em uma publicação no site Babe.net. Em seguida, ele deu uma declaração à imprensa, afirmando que o sexo parecia consensual, mas que no dia seguinte ela disse ter se sentido desconfort­ável.

“Foi verdade que tudo parecia bem para mim, mas quando soube que não era o caso dela, fiquei surpreso e preocupado. Guardei suas palavras no meu coração e respondi, de forma privada, após considerar o que ela disse. Continuo a apoiar o movimento que está acontecend­o em nossa cultura. É necessário faz muito tempo”, concluiu.

Não apareceram outras histórias e a atitude dele pareceu satisfatór­ia para a opinião pública e para a indústria do entretenim­ento, que não o puniu. Mas ele não passou pelo caso incólume. No especial da Netflix, diz que ficou amedrontad­o, envergonha­do e triste pela menina ter se sentido assim. E que espera que tenha se tornado uma pessoa melhor depois do episódio.

É uma abertura sincera e corajosa, mas nada engraçada para um especial de comédia de uma hora de duração.

Ele sabe disso, e mesmo assim volta ao assunto algumas vezes e usa o tema para muitas piadas boas durante o show.

Conta, por exemplo, que foi confundido na rua por um cara que achou que ele era outro comediante de origem indiana, Hasan Minhaj. Mas o sujeito logo percebeu o erro e gritou “Parks and Rec!”, em referência a uma sitcom de que o comediante fazia parte. “É, sou eu”, ele respondeu. E o homem: “Você teve aquele negócio todo no ano passado de assédio sexual?”. E Ansari: “Não, não! Aquele foi o Hasan”.

Fala de R. Kelly, o rapper que já foi acusado de cometer assédio sexual e de se envolver com pornografi­a infantil —e que está preso. E de Michael Jackson, acusado de ter abusado de dois homens que conviveram com ele quando eram crianças, no documentár­io “Deixando Neverland”, lançado em março deste ano.

Tudo é feito com muita graça. É para divertir o público que o comediante está ali. E ele sabe fazer isso como poucos, é um talento único.

Sua vida privada gera ótimos momentos no show, dirigido por Spike Jonze (“Adaptação”, “Onde Vivem os Monstros”) e gravado no Brooklyn, em Nova York. Ele tem uma namorada dinamarque­sa hoje em dia, e imita o seu sotaque e suas confusões culturais de maneira ácida e divertida. Até o Alzheimer de sua avó indiana provoca boas tiradas.

Mas ele quer deixar claro que cresceu, que mudou desde o ano passado. Não é mais o garoto ansioso por saber o que vai fazer em seguida, por mais uma garota, mais uma festa.

Ansari agora está mais calmo, quer viver o momento presente, com quem está. E é nesse tom que termina o especial. Nada engraçado, mas sincero e emocionant­e. Dá para fazer rir e ser boa pessoa, parece querer dizer.

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Elizabeth Weinberg/The New York Time O comediante Aziz Ansari

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