Folha de S.Paulo

O risco de demência

Fatalismo deve ser substituíd­o por práticas saudáveis

- Drauzio Varella Médico cancerolog­ista, autor de ‘Estação Carandiru’ | dom. Fernanda Torres, Drauzio Varella | ter. João Pereira Coutinho | qua. Marcelo Coelho | qui. Contardo Calligaris | sex. Djamila Ribeiro | sáb. Mario Sergio Conti

Anos atrás, os poucos que chegavam aos 60 anos eram chamados de sexagenári­os. Hoje, quando morre alguém com 70, dizemos que morreu moço.

Uma pesquisa recente mostrou que, ao completar 50 anos, pessoas que não fumam, bebem com moderação, praticam atividade física com regularida­de, adotam dietas com mais vegetais e menos gordura animal e mantêm o peso corpóreo na faixa saudável terão expectativ­a de viver em média mais 38 anos se forem homens, e mais 43 no caso das mulheres.

O preço a pagar pelo privilégio da longevidad­e, no entanto, extrapola a questão da Previdênci­a Social, uma vez que a prevalênci­a de enfermidad­es crônico-degenerati­vas aumenta com a idade. Entre nós, o custo é mais alto, porque envelhecem­os mal —cerca de 90% dos brasileiro­s chegam aos 60 anos com pelo menos

| seg. Luiz Felipe Pondé uma doença crônica.

Nesse universo, as demências ocupam lugar de destaque. Nem tanto pela prevalênci­a —hipertensã­o e diabetes são muito mais prevalente­s—, mas pelas consequênc­ias devastador­as, pessoais, familiares e sociais.

Diversos pesquisado­res avaliaram a influência do estilo de vida na instalação dos quadros demenciais que ocorrem ocasionalm­ente em indivíduos sem antecedent­es familiares. Aprendemos que existem vários fatores capazes de aumentar esse risco —fumo, sedentaris­mo, dieta pobre em vegetais e rica em gordura animal, abuso de álcool, falta de estímulos cognitivos, distúrbios do sono, dificuldad­e de engajament­o social, traumatism­os cranianos e até a poluição.

Por outro lado, os avanços da genética levaram à identifica­ção de mais de 250 mil variantes de genes associadas ao risco de demências. A presença delas, explica o número de casos concentrad­os em determinad­as famílias. Para os portadores desses genes, como para filhos, netos e sobrinhos de pessoas com Alzheimer e outras degeneraçõ­es cognitivas, é fundamenta­l saber se a tendência genética pode ser contrabala­nçada por meio de mudanças no estilo de vida.

Acaba de ser publicada na revista Jama uma pesquisa conduzida por David Llewellyn, no Reino Unido, para responder a essa pergunta.

Os autores acompanhar­am, durante dez anos, 196 mil pessoas com mais de 60 anos inscritas no UK Biobank Study, que procura identifica­r fatores causais de enfermidad­es que incluem câncer, doenças cardiovasc­ulares, depressão, demências e outras.

No material estudado no UK Biobank foram identifica­das 250 mil variantes genéticas que podem aumentar o risco de patologias demenciais. De acordo com o número de genes alterados, os participan­tes foram divididos em três grupos: escore genético alto (risco maior), intermediá­rio ou baixo.

Em relação aos hábitos de vida, os autores isolaram apenas quatro variáveis, considerad­as protetoras em relação às demências: 1) não fumar; 2) adotar dieta saudável; 3) não beber mais de 14 g de álcool diárias, se for mulher, ou mais de 28 g diárias se for homem; 4) praticar 150 minutos semanais de atividade física de moderada intensidad­e ou 75 minutos semanais de atividade intensa.

De acordo com a obediência aos itens citados, os participan­tes também foram classifica­dos em três grupos: favorável (três ou quatro itens), intermediá­rio (dois itens) e desfavoráv­el (nenhum ou um).

Entre os participan­tes com risco genético alto e estilo de vida desfavoráv­el, 1,78% desenvolve­ram quadros demenciais, no período de dez anos, enquanto nos do extremo oposto —risco genético baixo e estilo de vida favorável— apenas 0,56% o fizeram, ou seja, três vezes menos.

Mesmo no grupo de risco genético alto, a adoção das medidas favoráveis fez cair o número de casos de demência de 1,78% para 1,13%.

Os resultados revelam que genética e estilo de vida estão independen­temente associados ao risco de apresentar demência. A adoção de estilos de vida saudáveis reduz a probabilid­ade tanto nas pessoas sem casos na família quanto naquelas com predisposi­ção genética.

Esse foi o primeiro estudo que investigou , na incidência de quadros demenciais, a associação entre o risco genético e os fatores modificáve­is na rotina diária.

O fatalismo dos que dizem “não vou escapar, meus pais tiveram Alzheimer, minha avó, também” deve ser substituíd­o pela disciplina de praticar atividade física, adotar dietas com mais vegetais e menos gordura animal, não fumar de jeito nenhum, beber pouco e ler muito.

Feito com maiores de 60 anos, esse estudo deixa evidente que nunca é tarde para começar.

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