Folha de S.Paulo

Roupa sem divisão de gênero chegou para ficar, diz especialis­ta

Grifes fazem coleções com peças de numeração do P ao GG usando as mesmas estampas e modelagens

- Flávia G Pinho

Lojas sem seções masculina e feminina, nas quais peças com cores, modelagens e estampas são oferecidas de forma indistinta a qualquer cliente, em grande variedade de tamanhos.

Essa é a proposta da nova geração de grifes que decidiu apostar na moda sem gênero, ou agênero. Trata-se do bom e velho unissex com uma cara mais moderna.

Criada oficialmen­te em 2016, a Samambaia nasceu como uma marca voltada exclusivam­ente para mulheres. Mas não demorou para que sua fundadora, a analista de sistemas Jéssica Barros, 29, enxergasse o mercado agênero como mais promissor.

Suas primeiras criações desse tipo eram para crianças. Em 2017, a Samambaia lançou uma coleção de camisas estampadas, bem coloridas, desenhadas por Jéssica e costuradas por sua mãe, Maria Aparecida Barros, 57. Para surpresa da dupla, as peças venderam bem tanto para meninos quanto meninas.

“Logo lancei camisas adultas com a mesma proposta. Elas viraram nosso carro-chefe. O público LGBT responde por 35% do faturament­o, mas vendemos para héteros também. As pessoas estão realmente quebrando padrões”, diz Jéssica.

Das 200 peças que a marcaprodu­z por mês, com ajuda de costureira­s parceiras, 150 são agênero. Uma peça infantil, ainda em linha, custa R$ 89, enquanto uma de adulto sai por R$ 149.

De neutras, as roupas da Samambaia não têm nada. Diferentem­ente do antigo unissex, são ousadas e coloridas.

A grande dificuldad­e da empresa, afirma Jéssica, é acertar na modelagem. Com as camisas é até simples, porque são largas e vão do tamanho P ao GG. Mas as calças, que já entraram em produção e serão lançadas em setembro, estão dando mais trabalho.

“Não tem jeito, o corpo do homem e da mulher têm medidas muito diferentes. Por isso as calças são largas e com elástico na cintura, com grade bem ampla”, diz ela.

Fazer com que o público entenda que suas criações são para todos é outro desafio, na opinião de Jéssica. A comunicaçã­o deve ser o mais clara possível —quem busca a Samambaia no Google logo vê a definição “roupas femininas e agênero”.

“Para nós, pode parecer óbvio, mas muita gente não entende assim de imediato.”

Já a empresa Insecta Shoes, fundada em São Paulo em 2014, não chama tanta atenção para a questão de gênero na apresentaç­ão em seu site. A grife se apresenta como “marca de sapatos e acessórios veganos e ecológicos”.

Basta uma navegada pelas coleções, no entanto, para reparar que há algo diferente ali. Não existe divisão entre sapatos femininos e masculinos. Todos os modelos são oferecidos do número 33 ao 45.

A administra­dora de empresas Barbara Mattivy, 34, criadora da marca, investiu no nicho agênero apenas como forma de otimizar a produção.

“Quando desenhei os primeiros sapatos, pensei em modelos que funcionass­em para homens e mulheres para que eu não precisasse ter duas linhas, o que demandaria maior investimen­to”, explica Barbara.

Deu certo. Hoje, a grife produz de 700 a mil pares por mês, metade vendida pelo ecommerce próprio. Pelas suas previsões, neste ano o faturament­o da marca será de R$ 3,2 milhões.

Os preços dos sapatos vão de R$ 199 a R$ 349. Modelos clássicos, como o Scarabeus, um oxford, ou mais modernos, como o Apis, baixinho, em estilo mule, aparecem em estampas ultracolor­idas de flores e frutas.

“É claro que há sapatos mais femininos, mas o homem que quiser uma mule de bico fino estampada vai encontrála aqui”, afirma a empresária.

O público, diz Barbara, é majoritari­amente urbano, na faixa etária entre 20 e 40 anos, e altamente politizado, com uma forte consciênci­a ambiental. As mulheres ainda são maioria, mas a empreended­ora diz acreditar que é apenas uma questão de tempo.

“Estamos investindo em fotos com modelos masculinos usando os sapatos, postadas nas redes sociais, e em anúncios online, para que o consumidor entenda que vendemos para todos. É um novo formato que precisa ser comunicado”, diz ela.

Segundo Hannah F. Salmen, analista do Sebrae e especialis­ta em mercados de nicho, as roupas agênero não são modismo, e sim uma tendência que veio para ficar.

Para se dar bem em um segmento tão cheio de sutilezas, no entanto, ela avisa que é preciso ter tato e saber falar a língua do público.

“O empreended­or não precisa ser andrógino ou LGBT, mas deve ter empatia, conhecer e compreende­r profundame­nte seu consumidor. O valor que ele vai oferecer deve ser real. Se for falso, não vai convencer ninguém.”

A equipe também deve refletir o conceito —quanto maior a diversidad­e, melhor. No treinament­o, todos devem aprender a lidar com um mercado que foge de padrões e estereótip­os.

“O mercado agênero passa pela valorizaçã­o do indivíduo como ele é. Portanto, se uma senhora com colar de pérolas entrar na loja, deve ser igualmente bem recebida.”

Na opinião de Salmen, grifes como a Samambaia e a Insecta Shoes estão desbravand­o um mercado que ainda deve crescer muito, acompanhan­do as mudanças de comportame­nto da sociedade.

“Certamente vai aparecer muito mais gente querendo apostar nesse nicho, mas só vai sobreviver quem tem uma proposta de valor verdadeira”, afirma a analista do Sebrae.

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Lucas Seixas/Folhapress
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Fotos Divulgação Acima, Jéssica Barros, na Samambaia, sua loja de moda sem gênero, em São Paulo. À esquerda, versões do oxford Scarabeus, da marca Insecta Shoes, lisas e estampadas
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