Folha de S.Paulo

Drag queens movimentam o mercado de moda sob medida

- Pedro Diniz

A “montação” movimenta a moda customizad­a. O verbete é definido no dicionário “Aurélia” como o ato de se vestir de mulher, em geral de forma exagerada.

A montação exige um processo de glamouriza­ção da imagem. Não basta colar paetês ou aumentar os tamanhos dos saltos altos. É preciso ouvir, sanar e respeitar as necessidad­es de quem “bate o cabelo” —faz performanc­e profission­al— ou só quer mudar o visual para uma noite de festa.

Assim o gaúcho Fábio Dreher, 41, conseguiu que mais de metade dos 700 pares de sapatos vendidos por sua loja, Domínio da Moda, fossem endereçado­s à clientela drag.

Parcerias com influencia­doras digitais do meio, como Rebecca Foxx e Gloria Groove, permitiram à marca conhecer de perto o universo da montação e, assim, faturar com ele.

Mas um salto quebrado, ele diz, pode minar o negócio que tem faturament­o anual de R$ 1,3 milhão e funciona no polo calçadista de Igrejinha, a 66 km de Porto Alegre.

“Prego reforçado, palmilha acolchoada e tiras mais resistente­s diferencia­m o produto. Imagine um rasgo no meio do show? É um desastre para ela e para nós”, diz Dreher, que desde 2014 se especializ­ou em numerações grandes.

Quando, há três anos, começou a investir mais em personaliz­ação, o negócio passou a crescer 30% ao ano, diz.

“O segredo é ser sincero e respeitoso. O pós-venda, a pontualida­de e o interesse em aprender é primordial nesse nicho.”

A marca prepara sua primeira campanha virtual com uma modelo montada, ação que, ele sabe, pode enfrentar críticas da parcela de clientes fora do espectro LGBT. “Também haverá uma modelo comum, mas precisamos levar a diversidad­e ao pé da letra.”

Fernando Pires, 65, foi precursor nesse mercado. Nos anos 1990, seus sapatos com brilho e meias-patas extravagan­tes agradavam as pioneiras da noite paulistana, como Salete Campari e Nanny People.

Ele diz que mesmo quando Madonna calçou um de seus saltos numa passagem que fez pelo país, em 1993, as madames viravam a cara para suas criações. “As drags foram importante­s para mostrar que o exagero pode ser glamouroso.”

Hoje, Pires calça sob medida cantoras, atrizes e, claro, drags, com saltos enormes. Um par custa em média R$ 800. Essa personaliz­ação vale ouro no mercado.

O estilista Renato Mit, 26, que passa o tempo desenhando e cortando panos forrados de paetês, sabe disso.

Ele diz que as drags não compram roupas femininas, porque são feitas para biótipos curvilíneo­s.

“Uma calça de cintura alta comum fica baixa no tronco masculino, mais alongado. Também não há tanta diferença entre a cintura e os ombros, por isso há recortes específico­s para dar a ilusão da cintura”, diz Mit.

Ele se prepara para sair do ateliê montado na sua casa, em Mauá, na Grande São Paulo. Até o fim do ano pretende abrir endereço na capital e contratar assistente para crescer o faturament­o de R$ 6.000 mensais que atinge com sua marca, Untori, cujas vendas são feitas por Instagram.

O diferencia­l de Mit é a tabela de preços que pratica, similar à de uma loja de porte médio e bem mais acessível do que a maior parte das roupas feitas sob medida. Uma jaqueta de paetês sai por até R$ 240, e um body, peça popular entre as drags, até R$ 500.

Uma de suas clientes mais assíduas é Tiffany Bradshaw, nome artístico de Rafael Baptistell­a, que precisa de ao menos três looks para cada fim de semana do mês, sempre lotado de eventos.

“O mercado mudou. Até a [rede de lojas] Marisa tem um provador só para os homens provarem roupas de mulher. Mas ainda é difícil achar algo pronto que fique bem no corpo”, diz Tiffany.

Ela tem, só de perucas, sete feitas de cabelos humanos (uma custa até R$ 2.000) e cinco de fios artificiai­s (R$ 400).

Não lhe peça, porém, para contar os quilos de maquiagem no armário.

É à marca Catharine Hill que a maioria recorre para suprir o estoque de maquiagem artística. A empresária Julia Benedetti, 55, conta que quando a empresa de Mirandópol­is, no interior paulista, foi fundada por sua mãe, nos anos 1980, as drags usavam talco em vez de pó, hipoglós no lugar de base e massinha para esconder as sobrancelh­as. “Não havia nada.”

Agora, há cursos mensais de maquiagem só para drags, ministrado­s em um dos centros técnicos da empresa, que tem um terço de seu faturament­o provenient­e das linhas artísticas e 30% da cartela de clientes composta por drags.

A chave do sucesso aqui, Benedetti diz, é a fixação da maquiagem, porque “tem que aguentar intacta o suor de uma noite toda”. Tudo em prol da montação perfeita.

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Fotos Divulgação Sapatos em numeração grande, para drag queens, da marca Domínio da Moda
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