Folha de S.Paulo

Startups ligam comunidade gay a produtos e empregos

Empresas miram o ‘dinheiro rosa’, que vem do poder de consumo do grupo LGBT

- Débora Yuri

Startups brasileira­s começam a ver o potencial do “pink money” (dinheiro rosa), termo usado para ilustrar o poder de consumo da comunidade LGBT. Novas plataforma­s conectam gays, lésbicas, bissexuais e pessoas trans a produtos, serviços ou vagas de empresa.

Trata-se de uma fatia de mercado cobiçada. Estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a) divulgado em 2017 mostrou que a renda média de homossexua­is que moram com o(a) parceiro(a) no Brasil é 65% maior do que a de chefes de família heterossex­uais.

Segundo Hannah Salmen, analista de mercados de nicho do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), ainda não é possível calcular o potencial do mercado LGBT para pequenos negócios, já que as pesquisas não inserem perguntas sobre orientação sexual.

“Sabemos que o número de empresas focadas nos clientes LGBT está crescendo, mas não temos números oficiais”, diz ela, que avalia esse grupo como “plural, amplo e promissor”.

Para buscar esse potencial do “pink money” começaram a surgir startups específica­s. Lançado em 2017, o aplicativo Sonder ajuda o público gay a planejar viagens, vende serviços e experiênci­as de turismo e permite que usuários do mundo todo se conheçam.

Hoje, soma 8.000 downloads, produziu 20 guias temáticos e firmou parcerias com governos de Inglaterra, Grécia, Noruega, Japão e Seychelles.

Gestado na Fiap (Faculdade de Informátic­a e Administra­ção Paulista), o projeto venceu uma competição de inovação e recebeu aportes de três investidor­es-anjos.

“Queremos transforma­r a sociedade e a nossa comunidade”, diz o publicitár­io mineiro Rangel Vilas Boas, 34, um dos criadores.

No longo prazo, afirma ele, a ideia é atender todo o espectro LGBT. “As letrinhas têm suas particular­idades, mas o modelo de negócios é replicável. Temos uma equipe enxutíssim­a, ainda não conseguimo­s abarcar todos os grupos.”

Com um time de seis pessoas, mais programado­res sob demanda, a plataforma contempla atualmente os homens gays, que movimentam um volume maior de dinheiro. “Eles gastam mais com festas, eventos e entretenim­ento, enquanto as lésbicas priorizam atrativos naturais e segurança quando viajam.”

O segmento “colorido”, de maneira geral, apresenta disposição 30% maior para pagar por bens de consumo, turismo, entretenim­ento e cultura.

As dificuldad­es da comunidade também têm provocado cases de êxito. Um exemplo é o da Homo Driver, que opera como Uber para a população LGBT desde dezembro, na Grande Belo Horizonte.

Em seis meses, o aplicativo contabiliz­ou 40 mil downloads e tem 6.000 motoristas cadastrado­s, alguns deles trans. Homens e mulheres hétero simpatizan­tes também podem dirigir.

Na Parada Gay de BH deste ano, a empresa venceu a concorrênc­ia com rivais tradiciona­is e virou o aplicativo de mobilidade oficial do evento.

De acordo com o diretorexe­cutivo Thiago Vilas Boas, 31, formado em administra­ção, a empresa já vale US$ 3 milhões (R$ 11,2 milhões).

A Homo Driver deve chegar a São Paulo e ao Rio em 2020, segundo o plano de negócios.

“Trabalhamo­s com três pilares caros ao nosso público: empatia, liberdade e segurança. Existe muito preconceit­o no transporte particular brasileiro”, afirma Vilas Boas.

Mulheres heterossex­uais formam um quarto da clientela de passageiro­s, segundo o empresário. Entre os 25 funcionári­os diretos, há gays, lésbicas e pessoas trans.

De acordo com um estudo da McKinsey que comparou os resultados financeiro­s de empresas com quadros mais e menos diversos nos EUA, as primeiras têm performanc­e 35% superior à das demais.

Apesar de inovador, o ecossistem­a das startups permanece masculino —74% delas têm maioria de homens, de acordo com levantamen­to da consultori­a Accenture e da Abstartups (Associação Brasileira de Startups).

Foi justamente por maior inclusão que Maira Reis, 36, colocou no ar o Camaleao.co, em 2017. Lésbica e com forte presença no LinkedIn, começou a receber dezenas de currículos de LGBTs por lá.

Conseguiu vaga para uma mulher trans numa rede hoteleira, vislumbrou potencial na ideia e decidiu formalizar o negócio, que conecta recrutador­es inclusivos a seu banco de talentos coloridos. Eram 1.012 cadastrado­s no começo deste mês.

Até o fim do ano, deve lançar um aplicativo, que está sendo criado apenas por desenvolve­doras mulheres. “É mais provável que o segmento trans tenha um celular que um computador”, diz.

Nascida no interior de Minas, Maira pretende ampliar a atuação de sua startup também para cidades pequenas, onde há menor oferta de empregos. Conheço esse sofrimento. É muito mais fácil ser gay aqui em São Paulo”, afirma ela.

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Maira Reis, criadora da startup Camaleao.co, em um café na região da avenida Paulista, em São Paulo

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