Posso ser demitido, mas Inpe resistirá a ataques, diz diretor
Após questionar dados, Bolsonaro disse que não falará com chefe de instituto
Depois de ter sido criticado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), que afirmou que os dados sobre desmatamento da Amazônia são incorretos, exagerados e prejudicam a imagem do país, o engenheiro Ricardo Galvão, diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), disse à Folha que ele até pode ser demitido, mas que o instituto é cientificamente sólido o suficiente para resistir aos ataques do governo.
As críticas ao Inpe, afirma Galvão, começaram em janeiro, mas tinham origem no Ministério do Meio Ambiente. “A única coisa que o Inpe faz é colher dados, nada mais, mas havia insatisfação. Isso estava concentrado no MMA e eu não esperava que subisse à Presidência da República, mas aparentemente subiu, não sei exatamente pelo esforço de quem.”
“Pode haver consequências para mim, posso ser demitido. Mas para o instituto não pode haver. Primeiro porque o orçamento já está estabelecido para este ano; estamos preparando o orçamento para o ano que vem. E a situação ficou tão clara, foi tão incrível a quantidade de apoio, até do exterior, que fica impossível para o governo, na minha opinião, fazer algum tipo de retaliação, o que seria ainda mais contundente contra o governo”, disse Galvão.
Na última sexta (19), o presidente disse que Galvão poderia estar “a serviço de alguma ONG” e que os dados crescentes de desmatamento não condizem com a realidade. Bolsonaro disse que ia chamar Galvão para dar explicações, mas segundo o pesquisador, essa convocatória não veio.
Neste domingo (21), Bolsonaro voltou a falar sobre o assunto e afirmou que não vai falar com Galvão.
“Eu não vou falar com ele. Quem vai falar com ele vai ser o ministro Marcos Pontes [Ciências) e talvez também o Ricardo Salles [Meio Ambiente]. O que nós não queremos é uma propaganda negativa do Brasil. A gente não quer fugir da verdade, mas aqueles dados pareceram muito com os do ano passado”, disse.
Para Bolsonaro, a questão ambiental no exterior é uma “verdadeira psicose” e, em uma referência a Ricardo Galvão, disse que não é justo que um brasileiro faça uma campanha contra o país.
“Se o dado fosse alarmante, ele deveria, por questão de responsabilidade e patriotismo, procurar o chefe imediato, no caso o ministro”, disse. “E não de forma rasa como ele faz, simplesmente coloca o Brasil numa situação complicada”, acrescentou.
Cientistas do país saíram em defesa do Inpe neste domingo, por meio de manifestações da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e da ABC (Academia Brasileira de Ciências). O encontro anual da SBPC começa neste domingo em Campo Grande.
“É um momento importante de apoio ao Inpe, e os resultados desse esforço que está fazendo a comunidade científica já estão aparecendo. Eu recebi uma mensagem do ministro de Ciência e Tecnologia, e ele pediu que eu desse mais informações sobre os métodos [de detecção do desmatamento]”, diz Galvão.
“Ele [Pontes], na verdade, sempre apoiou o Inpe e está tentando abrir um canal de diálogo com a Presidência para que consigamos estabelecer uma solução apaziguadora e construtiva para o país, porque não podemos continuar com esse estado de antagonismo que está destruindo uma instituição de grande prestígio no mundo, que é o Inpe”, completou.
Uma carta da SBPC afirma que críticas sem fundamento ao Inpe, que atua há cerca de 60 anos e com amplo reconhecimento no país e no exterior, são ofensivas, inaceitáveis e lesivas ao conhecimento científico.
“Em ciência, os dados podem ser questionados, porém sempre com argumentos científicos sólidos, e não por motivações de caráter ideológico, político ou de qualquer outra natureza. Desmerecer instituições científicas da qualificação do Inpe gera uma imagem negativa do país e da ciência que é aqui realizada. [...] Manifestamos nossa preocupação com as ações recentes que colocam em risco um patrimônio científico estratégico para o desenvolvimento do Brasil e para a soberania nacional”, encerra o documento.
Os dados de desmatamento são baseados em imagens de satélite e obtidos diariamente e disponibilizados em um boletim mensal no site do Inpe. As informações são utilizadas não só por entidades governamentais, como o Ibama, mas acessíveis para qualquer um que pretenda estudar o desmatamento no país.
O sistema Deter funciona como um levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia, que serve de base para operação contra desmate ilegal, por exemplo. Já o Prodes faz a consolidação desses levantamentos e dá a taxa oficial de desmatamento do país em cada ano.
Desde 1988, quando se iniciou o monitoramento, já foram desmatados, segundo dados do Prodes, 436.258 km² de floresta amazônica, quase duas vezes a área do estado de Roraima, o que equivale a cerca de 10% do bioma no país.
A gestão ambiental do governo Bolsonaro é marcada pela revisão de ações de conservação e do combate ao desmatamento. Desde a campanha, Bolsonaro tem criticado duramente a atuação do Ibama e o que chama de indústria da multa —ele mesmo foi multado por pescar em área protegida em 2012.
Entre as medidas tomadas pela gestão estão a exoneração de servidores e a transferência de órgãos e atribuições para outros ministérios.