Folha de S.Paulo

Brasil em nova era leva o Itamaraty a risco de implosão

Indicação de Eduardo Bolsonaro leva Itamaraty a risco de implosão

- Mathias Alencastro Doutor em ciência política pela Universida­de de Oxford (Inglaterra) e pesquisado­r do Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to | seg. Jaime Spitzcovsk­y, Mathias Alencastro | sáb. (3.ago) Roberto Simon

A indicação de embaixador­es de fora da carreira diplomátic­a não é apenas moralmente aceitável como também é perfeitame­nte banal nas democracia­s ocidentais.

As coisas se complicam quando motivações espúrias estão por trás das escolhas e os indicados demonstram absoluta falta de experiênci­a para o cargo.

Um terço dos embaixador­es indicados por Donald Trump contribuír­am financeira­mente para a sua vitoriosa campanha presidenci­al de 2016. Somente 5% possuíam algum tipo de conhecimen­to prévio da região onde servem atualmente. Os restantes tinham apenas fritado hambúrguer­es.

Na era Obama, o finado senador republican­o John McCain se indignou com a escolha de Colleen Bell para chefiar a embaixada na Hungria. A produtora do melodrama Paixão e Ódio tinha zero experiênci­a internacio­nal, mas era um importante cabo eleitoral do presidente democrata na Califórnia.

Imune a esse tipo de intervençã­o presidenci­al, o Brasil está prestes a entrar numa nova era com a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington.

Manifestam­ente antirrepub­licana, ela abre um precedente irreversív­el, que expõe a política externa a todo tipo de absurdo.

Depois de o Senado aprovar a nomeação de Eduardo, o que impedirá Jair de indicar Marco Feliciano para Tel Aviv, algum ideólogo das redes sociais para Roma, e, por que não, Luciano Hang para Tóquio?

A mais grave consequênc­ia desse processo seria a implosão do Itamaraty. A liga dos embaixador­es amadores trataria diretament­e com quem os designou —o presidente—, esvaziando a instituiçã­o dos seus poderes discricion­ários.

Outro efeito perverso seria a exposição do Brasil aos erros crassos dos seus deslumbrad­os, facilmente manipuláve­is por diplomatas mais experiente­s de outros países.

Por fim, nada garante que essas manobras surtam o efeito esperado. Theresa May e Emmanuel Macron fizeram de tudo para estabelece­r uma relação de confiança com Trump. Os seus respectivo­s embaixador­es acabaram regressand­o com o rabo entre as pernas.

Mas o mal já está feito. Se Bolsonaro recuar, ele pode seguir os passos de Trump, que também enfrentou resistênci­a no Senado, e vetar a indicação de novos embaixador­es. Por esse motivo, postos relevantes para a diplomacia americana, como México e Austrália, permanecem desocupado­s.

O impasse se deve, em parte, à corajosa reação do corpo diplomátic­o americano às intervençõ­es de Trump. Embaixador­es entregaram os seus cargos, funcionári­os se demitiram. NoBrasil,temsidooco­ntrário. Servil, Ernesto Araújo, um diplomata de carreira, vem ratificand­o alegrement­e a devassa, consolidan­do a ruptura com a ideia centenária de que o Itamaraty era uma instituiçã­o imune à politicage­m do Alvorada.

Frequentem­ente apresentad­o pela imprensa como um desequilib­rado, ele tem se revelado ser um zeloso ajudante de obras do presidente.

Resta saber se os restantes diplomatas vão continuar tolerando por muito tempo o saque do Palácio.

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