Folha de S.Paulo

Reforma tributária

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de de Yale. Escreve às segundas

Há grande continuida­de na agenda da reforma tributária há pelo menos 25 anos. Há também outro traço comum: as iniciativa­s malograram ou foram muito tímidas. A continuida­de da agenda é patente. O diagnóstic­o e os temas não mudaram; são variantes de uma mesma solução: eliminação de impostos cumulativo­s, criação de imposto sobre valor adicionado (IVA) e de formas de compensaçã­o de perdedores.

Os atores com poder veto continuam os mesmos: estados produtores (SP e MG) que perdem com o fim da cobrança do imposto na origem; os grupos de interesses federativo­s e empresaria­is ligados à Zona Franca de Manaus; e a relutância do governo federal quanto à perda de receita.

A principal iniciativa no período —a PEC 175 no governo FHC— malogrou. Ao se deparar com relator hostil e com divergênci­as na área fazendária e do planejamen­to (Ipea), o governo deixou-a em banho maria. O desfecho causou perplexida­de: o governo instruiu a própria base para derrotar o relatório apresentad­o por Mussa Demes (PFL/PI). Mas aprovou medidas infraconst­itucionais —criação do Simples, desoneraçã­o do ICMS nas exportaçõe­s (lei Kandir 87/96) e, mais tarde, o fim da cumulativi­dade do PIS.

Dado a enorme e inédita mobilizaçã­o empresaria­l para a reforma, em 1997/98, o governo esboçou a proposta Pedro Parente, simbólica dado o contexto de incertezas (crise do real).

A reforma do governo Lula (ECs 42 e 44) alterou regras do ICMS e no Cofins, mas malogrou em criar um IVA único. Perdeu-se a oportunida­de criada pelo boom de commoditie­s.

Os governos optaram por um sistema tributário profundame­nte ineficient­e, mas que garantia arrecadaçã­o, em lugar de um sistema eficiente, mas de arrecadaçã­o incerta, alto custo político para aprovação e sobre o qual há divergênci­a entre especialis­tas.

Pelo menos desde 2007, quando a CPMF foi derrotada, formou-se um consenso congressua­l e social em torno do não aumento da carga tributária. Bloqueada a opção fácil da expansão ineficient­e na margem, a reforma torna-se politicame­nte mais difícil. As questões redistribu­tivas —contidas pelo consenso de que são mais bem resolvidas via gasto— voltaram, mas são infraconst­itucionais.

Em sistemas tributário­s maduros, mudanças são universalm­ente marcadas por incrementa­lismo, mas desta vez pode ser diferente. A janela de oportunida­de é dada pelo inédito consenso técnico (excetuado o imposto único), o apoio congressua­l e a baixa aversão ao risco do novo governo e atores envolvidos. O imperativo de harmonizaç­ão tributária com a União Europeia e o aprendizad­o ocorrido com a reforma da Previdênci­a facilitam.

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