Folha de S.Paulo

Hiperativi­smo legislativ­o da Câmara

Maior autonomia do Congresso avança rapidament­e

- Lucio Rennó Professor do Instituto de Ciência Política da UnB, doutor em ciência política pela Universida­de de Pittsburgh (EUA) e ex-presidente da Companhia de Planejamen­to do Distrito Federal (2015-2018)

Brasil vivencia um interessan­te processo de fortalecim­ento do Legislativ­o, o que se reflete em números. No primeiro semestre deste ano, nove proposiçõe­s legislativ­as, incluindo projetos de lei, propostas de emenda à Constituiç­ão e projetos de lei complement­ar, foram remetidas ao Senado depois de conclusão favorável de sua tramitação na Câmara.

Trata-se de um fenômeno novo. Em igual período da legislatur­a anterior (de 3 de fevereiro a 30 de junho de 2015), somente uma proposição teve o mesmo destino. Em todas as anteriores, desde a eleita em 1994, nenhuma proposição apresentad­a na primeira metade do ano foi enviada aos senadores antes do final de junho, após a finalizaçã­o de sua tramitação na Casa.

Nas legislatur­as anteriores, as propostas efetuadas no mesmo intervalo vieram a ser expedidas para o Senado muito tempo depois, ou seja, o número absoluto de proposiçõe­s que tramitaram com sucesso neste ano na Câmara indica também prazo recorde de processame­nto.

Proposiçõe­s, normalment­e, levam muito mais meses até sua aprovação —e todas as aprovadas são de autoria de deputados e deputadas ou da própria Casa.

O que explica essa altíssima eficiência legislativ­a?

As respostas são de duas naturezas: institucio­nal e conjuntura­l.

Institucio­nalmente, o país mudou nos últimos anos. Foram várias as reformas políticas que transforma­ram a relação entre os Poderes Executivo e Legislativ­o, sendo todas na direção de maior autonomia do Congresso e de redução do controle da agenda legislativ­a pelo Executivo.

As principais alterações envolvem dois importante­s recursos de poder do governo para exercer esse controle: emendas orçamentár­ias e medidas provisória­s (MP).

As últimas revisões dessas duas fundamenta­is ferramenta­s de administra­ção reduziram a discricion­ariedade do Executivo.

As primeiras são agora praticamen­te carimbadas e devem ser pagas, reduzindo a margem de negociação do Executivo.

Já o uso das segundas não impõe custos ao Legislativ­o, que, se as deixa de analisar, não vê seus trabalhos paralisado­s como ocorria no passado. Hoje, quem tem que se esforçar para aprovar as MPs é o Executivo, uma vez que, se não houver deliberaçã­o, elas perdem validade.

Uma demanda antiga da classe política, a de maior autonomia do Congresso frente ao presidente da República, está em andamento.

Não houve, porém, um enxugament­o do quadro partidário brasileiro. Muito pelo contrário: as reformas em vigência até este ano estimulara­m a criação de novas legendas como alternativ­a para a migração partidária.

Além disso, mudanças recentes ampliaram a janela de mudança partidária às vésperas das eleições, elevando a incerteza quanto à composição das legendas. Assim, o número efetivo de agremiaçõe­s no Brasil, que já era o mais alto do mundo, explodiu.

Nossas reformas políticas reduziram a capacidade do Executivo de governar: dilataram o leque de partidos e, consequent­emente, a dificuldad­e de construção de maiorias estáveis, bem como enfraquece­ram os poderes do governo para avançar sua agenda legislativ­a.

Dilma Rousseff (PT) navegou esses mares, assim como ocorre com Jair Bolsonaro (PSL) hoje, diferentem­ente de seus antecessor­es. Michel Temer (MDB), um parlamenta­r experiente, conseguiu reorganiza­r a coalizão, mas não governou, mergulhado em escândalos.

Conjuntura­lmente, o atual governo rejeita a construção de coalizões nos moldes do passado e conta com o apoio estável de uma minoria. Dessa forma, sua capacidade de coordenaçã­o dos trabalhos legislativ­os é reduzida e seu controle sobre a agenda da Câmara, menor. Ademais, sua limitada base é inexperien­te, dificultan­do a defesa de seus interesses.

Por outro lado, é importante ter claro que o objetivo do governo no primeiro semestre era a aprovação da reforma da Previdênci­a. A gestão Bolsonaro tem deixado de lado outras questões.

Neste vazio de poder, abriu-se espaço para deputados aprovarem projetos de relevância para lidar com questões de interesse nacional, conforme deixam claro as ementas das propostas remetidas ao Senado.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), por sua vez, vem apoiando a atuação dos parlamenta­res, ampliando a primazia da Casa.

O Legislativ­o brasileiro se fortaleceu. Precisa ser acompanhad­o de perto pelo eleitor. Nunca antes foi tão importante prestar atenção no que nossos representa­ntes fazem.

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