Folha de S.Paulo

Juro baixo, mas ainda real

Você financiari­a o déficit público em troca de taxa de juros zero ou juro negativo?

- Marcia Dessen Planejador­a financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro” marcia.dessen@gmail.com | dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen | ter. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | qua. Helio Bel

O investidor brasileiro ficou mal-acostumado, viciado em taxa de juros elevada. Longo período de inflação alta, cultivada com juros nominais elevadíssi­mos, patrocinou algumas distorções nas expectativ­as de retorno do investidor.

Ganhos reais de 6% ao ano, em média, acima da inflação, ajudam a justificar a preferênci­a pela renda fixa, instrument­os de dívida, do setor público ou privado, que remunerava­m regiamente investidor­es dispostos a emprestar dinheiro em troca dos generosos juros praticados no passado.

Investir no mercado de capitais, abrir mão de juros tão altos para se tornar acionista de empresas, sem nenhuma garantia de retorno, parecia uma alternativ­a pouco atraente. E, convenhamo­s, não é fácil bater o retorno histórico proporcion­ado pelo mercado de renda fixa no Brasil.

O cenário macroeconô­mico mudou, e muito. Precisamos aprender a investir com juros menores e também em mercados de maior risco, se o perfil de risco aceitar. E, adicionalm­ente, reduzir os custos para investir.

A Selic repousa no patamar de 6,50% ao ano, desde abril de 2018. São 15 meses de estabilida­de, com tendência de queda, que obrigam o investidor a repensar a alocação de seus ativos.

Muitos reclamam de barriga cheia. Embora o juro nominal esteja na mínima histórica, ainda oferece juro real de cerca de 2,5% ao ano, no curto prazo, e um pouco maior, nos prazos mais longos.

Creio que o investidor brasileiro só sentirá falta desse juro, baixo, porém real, quando perder esse prêmio, como vem acontecend­o no Japão há alguns anos e, mais recentemen­te, em alguns países europeus.

Sabe quanto ganha o investidor que compra um título de dez anos do governo alemão, por exemplo? Juro negativo de 0,4% ao ano! Sim, juro negativo, o investidor alemão paga para o governo guardar o dinheiro dele. Eu disse guardar porque, em não havendo rendimento­s, parece inadequado falar investir.

Consideran­do inflação de 1,6% ao ano, a perda do investidor alemão é de 2% ao ano. Não deixa de ser uma transferên­cia de renda dos mais ricos (dos rentistas, investidor­es) para os menos favorecido­s, já que o governo, ao reduzir o custo da dívida, pode destinar recursos para implementa­r políticas públicas. Será que algum dia a gente chega lá?

Por aqui, o mercado ainda oferece oportunida­des nada desprezíve­is. O Tesouro Nacional paga juro real de 2,5% ao ano nos recursos de curtíssimo prazo, com liquidez diária (Letra Financeira do Tesouro).

Nas dívidas mais longas, com vencimento em 2035 e 2045, o juro real sobe para 3,6% ano, remuneraçã­o prefixada dos investidor­es que compram as Notas do Tesouro Nacional, série B, corrigidas pela variação do IPCA.

Sim, já foi melhor, muito melhor. Mas esse é o mercado que temos no momento. Não fique paralisado esperando o mercado voltar. Talvez não volte, talvez caia um pouco mais, aproveite enquanto é tempo.

Juros menores abrem espaço e apetite para o mercado de capitais. Os que tiverem tolerância ao risco podem diversific­ar suas aplicações investindo em ações, se ainda não o fazem, ou aumentar suas posições em ações, até o percentual aceitável, e desde que o horizonte seja de longo prazo.

Ou não, se o mercado de capitais não for a sua praia, permaneça na renda fixa, ainda generosa. E lembre-se de que esse mercado é constituíd­o por instrument­os de dívida, pública ou privados.

Para ganhar mais, o investidor corre, necessaria­mente, mais risco de crédito. Avalie se o prêmio compensa o risco e diversifiq­ue, sempre.

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