Folha de S.Paulo

Morre aos 75 anos professor aposentado da USP que criou a ‘pílula do câncer’

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Morreu aos 75 anos, na sexta-feira (19), em São Carlos (SP), o professor aposentado da USP Gilberto Orivaldo Chierice. Ele ficou conhecido por criar a “pílula do câncer”, nome popular da fosfoetano­lamina.

Ele foi enterrado na manhã de sábado (20) no Cemitério Nossa Senhora do Carmo.

Pai de um casal de filhos e descendent­e de italianos, Chierice nasceu em Rincão, no interior de São Paulo. Terminou a graduação em química pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara em 1969. Concluiu, depois, o mestrado e o doutorado em química na USP, em 1973 e 1979, respectiva­mente.

De 1976 a 2007, trabalhou no Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP). Foi nesse período que desenvolve­u e distribuiu a “fosfo” para pacientes com câncer.

Ao estudar as propriedad­es da molécula nos anos 1980, viu que trabalhos antigos apontavam uma relação entre a “fosfo” e a presença de tumores em animais, o que sugeria que ela poderia ser cancerígen­a.

Pensou, então, que havia a possibilid­ade de ser o contrário: o organismo poderia estar produzindo a substância para combater o tumor. Sua equipe conseguiu que a Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu fizesse um teste de toxicidade da “fosfo” em roedores. “Ficou demonstrad­o que ela não era tóxica, muito pelo contrário, e que podia ser usada em qualquer ser vivo”, disse ele à Folha em 2016.

No entanto, nenhum medicament­o pode ser distribuíd­o a pacientes sem ter passado pelos chamados ensaios clínicos, estudos que verificam sua segurança e eficácia em uma grande quantidade de pessoas.

Ao longo dos anos, ele disse que nunca distribuiu menos de 40 mil pílulas por mês e estimava que 700 pessoas faziam uso mensal da substância. Em sua opinião, esse número provaria que a molécula seria eficaz no combate ao câncer, afirmação da qual muitos especialis­tas discordam —sem um controle rígido do estado de saúde de cada paciente e um acompanham­ento constante de longo prazo, é impossível saber se a causa da melhora desses pacientes foi mesmo a “fosfo”.

“Como o médico indicava e o paciente estava melhorando, eu pensei: que mal haveria em dar?”, disse ele à Folha.

A falta de evidências sobre a segurança e a eficácia do produto levou especialis­tas a questionar seu uso informal. No currículo de Chierice constam só seis trabalhos publicados sobre a molécula em revistas científica­s internacio­nais (de um total de mais de 80 envolvendo outras áreas de pesquisa ao longo de sua carreira). As pesquisas saíram entre 2011 e 2013 e versam apenas sobre a ação da “fosfo” em culturas de células em laboratóri­o e animais.

No fim de 2015, após uma enxurrada de ações judiciais e manifestaç­ões organizada­s pelos pacientes que queriam ter acesso à substância, o Governo de São Paulo traçou um plano para iniciar estudos controlado­s da molécula com pacientes.

Após oito meses, a pesquisa foi suspensa por falta de “benefício clínico significat­ivo” para os pacientes.

O Instituto de Química da USP lamentou a morte de Chierice. “Os professore­s, alunos e funcionári­os expressam suas condolênci­as aos familiares e amigos do professor Gilberto e esperam que todos consigam encontrar amparo neste momento de tristeza.”

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