Folha de S.Paulo

Cidade americana usa música infantil para expulsar moradores de rua

- Katie Mettler Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves Divulgação/Lego

Músicas já foram usadas como armas para incomodar pais, babás e outros adultos antes sãos na proximidad­e de crianças.

Agora, “Baby Shark” e “Raining Tacos” estão sendo usadas pelas autoridade­s municipais de West Palm Beach, na Flórida (EUA) como ferramenta de gerenciame­nto de propriedad­es.

Para impedir que as pessoas em situação de rua passem a noite no Pavilhão do Lago à Beira-Mar e no Grande Gramado, lugares que oferecem cenários de “milhões de dólares” para eventos especiais, as autoridade­s de West Palm Beach começaram há três semanas a tocar canções desagradáv­eis com alto-falantes estrategic­amente colocados.

Às 22h, começa “Baby Shark”: “Baby Shark, du du du du du”. Após 1 minuto e 45 segundos de “du dus” adicionais para papai, vovó e vovô, peixinhos cantam “é o fim”, e isso vale para a primeira rodada da música, mas não para a loucura, que dura mais oito horas, até o sol nascer sobre o canal que margeia o terraço do pavilhão.

Em seguida, no ciclo contínuo de músicas torturante­s, vem “Raining Tacos”, canção sobre o prato mexicano (“Concha! Carne! Alface! Queijo!”) caindo do céu.

O volume da música respeita a lei municipal e é uma medida temporária, enquanto as autoridade­s exploram a definição de horários aplicáveis para o Grande Gramado e o Pavilhão à Beira-Mar, disse a porta-voz da prefeitura, Kathleen Walter.

As melodias, segundo ela, destinam-se a “desencoraj­ar a reunião de pessoas no prédio e, se for o caso, encorajá-las a buscar um abrigo mais seguro e apropriado por meio dos muitos recursos disponívei­s”.

Esses recursos incluem treinament­o para empregos e uma equipe de advogados que vão às ruas “encontrar as pessoas onde elas estiverem” e conectá-las com a ajuda de que precisam, incluindo abrigo e recursos para lidar com problemas de saúde mental ou dependênci­a de drogas, disse o prefeito de West Palm Beach, Keith James.

“Acho bom que esta história esteja atraindo muita atenção, porque espero que isso abra uma conversa mais ampla, uma discussão nacional sobre a situação dos sem-teto em todo o país”, disse James.

Um bom sono é fundamenta­l para o bem-estar físico e mental das pessoas, e a falta dele pode agravar os desafios já enfrentado­s pelos que passam por situação de rua.

“Ter que viver sem um lar é cansativo —fisicament­e, mentalment­e, emocionalm­ente, em todos os sentidos”, disse Bobby Watts, executivo-chefe do Conselho Nacional de Saúde para os Sem-Teto, ao site Rewire.News no ano passado.

“A necessidad­e de sono deles é maior, mas sua capacidade de conseguir dormir é ainda menor do que se estivessem morando numa casa.”

Illaya Champion disse ao Palm Beach Post que ele se deita junto ao pátio do pavilhão para se proteger do sol e da chuva. “Está errado”, disse ele sobre a nova música. “Ela não me incomoda. Eu ainda me deito lá. Mas eles tocam as mesmas músicas sem parar.”

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