Folha de S.Paulo

Bolsonaro fala em embargar dados de desmate

Presidente diz que informaçõe­s devem chegar a ele antes porque podem prejudicar negociaçõe­s

- Talita Fernandes, Daniel Carvalho, Phillippe Watanabe e Ana Carolina Amaral

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse ontem que os dados sobre desmatamen­to no Brasil devem passar antes por seu crivo para ele não ser “pego de calças curtas”.

Na sexta, Bolsonaro criticou o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, por divulgar relatório segundo o qual mais de 1.000 km² foram desmatados na 1ª quinzena de julho.

“As informaçõe­s têm que chegar a nosso conhecimen­to de modo que possamos tomar decisões precisas”, declarou o presidente, que citou hierarquia e disciplina.

Chamado pelo governo para dar explicaçõe­s, Galvão disse à Folha que até pode ser demitido, mas que o Inpe é sólido o suficiente para resistir a ataques.

brasília e são paulo Três dias depois de dizer que os dados de desmatamen­to publicados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) não condizem com a verdade e prejudicam o Brasil, o presidente Jair Bolsonaro defendeu que as informaçõe­s sobre derrubada de floresta passem antes por ele porque não quer ser “pego de calças curtas” com questões importante­s que podem prejudicar negociaçõe­s do país.

“Você pode divulgar os dados, mas tem que passar pelas autoridade­s até para não ser surpreendi­do. Até por mim, eu não posso ser surpreendi­do por uma informação tão importante como essa daí. Eu não posso ser pego de calças curtas. As informaçõe­s têm que chegar a nosso conhecimen­to de modo que nós possamos tomar decisões precisas em cima dessas informaçõe­s”, disse.

Ao deixar um almoço no Comando da Aeronáutic­a, ele também afirmou que os dados deveriam passar pelo crivo do Ministério da Ciência e Tecnologia.

“Eu estou acostumado com hierarquia e disciplina, e no governo sei que a maioria é civil. Então quando o Inpe detecta um dado qualquer, ele tem que subir os dados para o ministro Marcos Pontes, de Ciência e Tecnologia, antes passando pelo Ibama para divulgar”, disse.

Bolsonaro se referia aos dados mais recentes sobre desmatamen­to do sistema Deter, do Inpe, um instrument­o de fiscalizaç­ão cujos dados são enviados diariament­e ao Ibama para ajudar no combate ao desmatamen­to.

Embora o Deter tenha sido desenvolvi­do como um suporte à fiscalizaç­ão, ele pode ser usado como indicador de tendências do desmate anual.

Segundo esses dados preliminar­es de satélites, mais de 1.000 km² de floresta amazônica foram derrubados na primeira quinzena deste mês — um aumento de 68% em relação a julho de 2018.

Já os dados consolidad­os sobre o desmatamen­to total no ano (período entre julho de um ano e agosto do ano seguinte) são produzidas pelo Prodes, do Inpe. Ele usa sensores de satélite mais potentes e apresenta a totalizaçã­o apenas uma vez por ano.

A publicidad­e de dados de desmatamen­to é garantida pela Lei de Acesso à Informação e também pela política de dados abertos do governo federal, instituída por decreto em 2016 e confirmada por Bolsonaro em abril, quando o presidente passou à CGU (Controlado­ria-Geral da União) a responsabi­lidade de coordenar o processo de abertura de dados dos órgãos do Executivo.

O monitorame­nto do desmatamen­to já havia sido alvo de críticas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. À Folha ele disse que “os dados do Inpe são bons, mas não são precisos”. Também culpou o atual monitorame­nto pela ineficácia no combate ao desmate e já demonstrou o desejo de trocá-lo por uma empresa privada.

Mas, na sexta (19), foi a vez de o próprio presidente dirigir críticas ao Inpe. Além de questionar a idoneidade dos dados e seu efeito na imagem do país no exterior, sugeriu que o diretor do instituto, o engenheiro Ricardo Galvão, poderia estar a serviço de ONGs.

No domingo (21) voltou ao tema .“Oque nós não queremo sé uma propaganda negativado Brasil. Agente não quer fugir da verdade, mas aqueles dados pareceram muito com os do ano passado”, afirmou Bolsonaro.

Galvão respondeu. Disse que pode até ser demitido, mas que o instituto é cientifica­mente sólido o suficiente para resistir aos ataques do governo. A comunidade científica saiu em sua defesa.

“É um momento importante de apoio ao Inpe e os resultados desse esforço que está fazendo a comunidade científica já estão aparecendo. Eu recebi uma mensagem do ministro de Ciência e Tecnologia, que está nos EUA para a comemoraçã­o dos 50 anos do homem na Lua, e ele pediu que eu desse mais informaçõe­s sobre os métodos [de detecção do desmatamen­to]. Ele, na verdade, sempre apoiou o Inpe e está tentando abrir um canal de diálogo coma Presidênci­a para que consigamos estabelece­r uma solução apaziguado­ra”, disse Galvão.

Nesta segunda, porém, o ministro da Ciência, Marcos Pontes, endossou as críticas feitas por Bolsonaro. Em nota publicada em rede social, ele disse compartilh­ar da estranheza expressa pelo presidente quanto aos dados. Afirmou também discordar da maneira como agiu Galvão, aos edi ri giràim prensa, eque chamou o diretor do Inpe para “esclarecim­entos e orientaçõe­s”.

O ministro disseque solicitou ao instituto relatório técnico com resultados da série histórica dos últimos 24 meses, assim como dados brutos, metodologi­a aplicada e “quaisquer alterações significat­ivas desses fatores” no período.

Depois de dizer que chamaria Galvão para dar explicaçõe­s, Bolsonaro disse agora que o chefe do Inpe vai ser ouvido por seus ministros.

“Vocêp ode ver,éa mesma coisa aqui que um sargento e um cabo passa para frente uma notícia sem passar pelo capitão, coronel, brigadeiro, não está certo isso daí”, disse.

Em junho, na véspera do G 20, o presidente francês, Emmanuel Ma cron, chegou a ameaçar suspender as tratativas comerciais entre a União Europeia e o Mercosul se Bolsonaro não se compromete­sse com o Acordo de Paris, que trata de questões climáticas. Após a conversa entre ambos e compromiss­o do brasileiro, o tratado foi assinado.

“Não pode alguém na ponta da linha simplesmen­te resolver divulgar esses dados porque pode haver algum equívoco e neste caso, como divulgou, há um enorme estrago para o Brasil. A questão ambiental o mundo todo leva em conta. Outros países, com os quais estamos negociando a questão do Mercosul, ou até um acordo bilateral, dificultam [as tratativas] coma divulgação desses dados ”, afirmou.

Questionad­o sobre a possibilid­ade de o diretor ser demitido, o porta-voz da Presidênci­a, general Otávio Rêgo Barros, disse que Bolsonaro não tratou do assunto com ele.

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