Folha de S.Paulo

Como reagir a Bolsonaro?

- Pablo Ortellado Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia. Escreve às terças po.ortellado@gmail.com

O governo Bolsonaro coloca um grande desafio. Como responder a sua prolífica produção de declaraçõe­s e ações ultrajante­s?

Apenas na última semana, o presidente anunciou que vai indicar o próprio filho para o cargo mais estratégic­o da diplomacia brasileira, ameaçou censurar ou fechar a Agência Nacional de Cinema e caluniou da forma mais aviltante uma respeitada jornalista brasileira.

Em um governo regular, a reação indignada da opinião pública, de organizaçõ­es de direitos humanos e de atores do mundo da política forçaria o presidente a pedir desculpas.

Mas Bolsonaro não reage assim. Ele parece divertir-se com a indignação que causa —e uma parte do seu público também.

Foi o que se viu, por exemplo, na “brincadeir­a” que fez ao chegar ao Palácio do Alvorada, no último sábado, se dirigindo às pessoas que estavam ali: “Vamos fechar a Ancine ou não vamos?”. Ao que respondera­m em coro: “Vamos!”

O bolsonaris­mo se mantém com uma estratégia de divisão e mobilizaçã­o permanente. Ele explora e mantém viva a divisão da sociedade civil, assustando os seus apoiadores com supostos perigos dos quais os adversário­s seriam portadores.

Cada vez que Bolsonaro faz uma provocação, a reação de revolta é recebida pelos seus seguidores com uma espécie de júbilo de triunfo. Se os bandidos, os corruptos, os vagabundos ou os comunistas desgostara­m, deve ser porque o governo está no rumo certo.

Por isso, a indignação e o protesto dos descontent­es de sempre têm pouco efeito prático sobre o governo e sobre a base mais fiel de Bolsonaro.

Isso não significa que devemos assistir resignados a esse espetáculo temerário.

Em primeiro lugar, é preciso resistir institucio­nalmente. Nós podemos sair desses quatro ou oito perigosos anos como uma Hungria ou como uma Turquia —isto é, como um país no qual o poder político atropelou e destroçou as instituiçõ­es liberais— ou nós podemos sair com instituiçõ­es mais ou menos incólumes como parece acontecer nos Estados Unidos ou na Itália. Para isso é preciso proteger e respaldar instituiçõ­es como a imprensa, o Supremo e o Congresso Nacional —mesmo eles tendo os problemas que têm.

Além disso, é preciso pacienteme­nte mostrar para a parcela que está fora da polarizaçã­o e para os apoiadores moderados do presidente que esse governo não tem compromiss­o com o combate à corrupção, como originalme­nte postulava nem tem como resgatar uma ordem moral tradiciona­l há muito tempo ultrapassa­da.

Esse difícil e delicado diálogo não pode ser feito quando se chama o interlocut­or de fascista.

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