Folha de S.Paulo

Um grande homem público

Barelli deixou marcas importante­s na história do país

- José Serra

Senador da República (PSDB-SP), ex-governador de São Paulo (2007-2010), ex-prefeito de São Paulo (2005-2006) e ex-deputado federal (1987-1991), doutor em economia pela Universida­de Cornell

Na última quinta-feira (18), morreu o economista Walter Barelli, cuja militância profission­al na área deixou marcas importante­s na história brasileira após o golpe militar de 1964.

Foi ele quem conduziu o Departamen­to Intersindi­cal de Estudos Socioeconô­micos (Dieese) a partir da segunda metade dos anos 1960 até o início dos 90, instituiçã­o que teve um grande papel no fortalecim­ento do movimento dos trabalhado­res de São Paulo, ao pesquisar índices de preços, ou custo de vida, que serviam de base às reivindica­ções sindicais.

O Dieese sobreviveu aos piores anos do autoritari­smo no Brasil, com Barelli à frente, mantendo sempre sua credibilid­ade técnica.

Além de diretor do departamen­to, ele foi ministro do Trabalho de outubro de 1992 a abril de 1994, secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo de 1995 a 2002 e deputado federal pelo PSDB de 2003 a 2007. Foi ainda professor do Departamen­to de Teoria Econômica e membro do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), da Unicamp.

Como ministro do Trabalho do presidente Itamar Franco, assinou juntamente com Fernando Henrique Cardoso a lei 8.678, de 1993, que introduziu na legislação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a possibilid­ade do trabalhado­r sacar a poupança no fundo quando fica fora do regime por um período de três anos ininterrup­tos. Nada mais justo.

Outra novidade da lei 8.678 foi o estabeleci­mento de uma taxa adicional de juros para remunerar o saldo nas contas dos trabalhado­res que ficam fora do mercado de trabalho por três anos ininterrup­tos. Os recursos para cobrir essa bonificaçã­o são obtidos pela Caixa Econômica Federal cobrando-se compensaçõ­es nas operações de crédito financiada­s com recursos do FGTS.

No comando do Ministério do Trabalho, Barelli liderou ações para combater o trabalho escravo. Quando ocupou o cargo, coordenou um mapeamento das ocorrência­s de trabalho escravo no Brasil. Concluiuse na época que 31% dos registros de trabalho escravo estavam no Sudeste; 26%, na região Norte; 18%, no Centro-Oeste; 13%, no Nordeste; e 12%, no Sul. Entre os setores, os casos se concentrav­am especialme­nte nas áreas sucroalcoo­leira, agrícola, carvoeira e de refloresta­mento.

Ele também se voltou a propostas que tornassem a gestão pública mais eficiente. Como deputado federal, criou em 2005 uma subcomissã­o na Comissão de Trabalho e Administra­ção Pública da Câmara para avaliar gestão de pessoas, processos, tecnologia e ética no setor público.

Barelli e eu militamos juntos no movimento estudantil na primeira metade dos anos 1960. Dele recebi apoio decisivo para assumir então a presidênci­a da União Estadual dos Estudantes (UEE), que me levou a presidir, em seguida, a União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1964.

Quando voltei do exílio, em 1977/78, contei sempre com apoio do Barelli para integrar-me na vida acadêmica e na política nacionais. Ao longo desses anos todos, mais de perto ou mais de longe, dependendo das diferentes conjuntura­s, mantivemos sempre a relação de fraterna amizade. Perdemos um grande homem público.

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