Folha de S.Paulo

Temer perdoou contratos suspeitos de gerar rombo de R$ 21 mi no Turismo

Medida, publicada no apagar das luzes do governo passado, revisou pareceres que apontaram desvios; atual ministro diz que suspendeu ato

- Ranier Bragon Roberto Castro - 10.abr.18/Mtur

brasília Na reta final da gestão Michel Temer (MDB), o Ministério do Turismo baixou uma portaria criando uma comissão para reavaliar, em 30 dias, pareceres que reprovavam integral ou parcialmen­te sete convênios firmados pela pasta entre os anos de 2006 e 2010, no governo Lula (PT).

A medida foi publicada em 25 de outubro do ano passado —três dias antes da eleição de Jair Bolsonaro (PSL).

Nos dois meses seguintes, três servidores designados para a comissão produziram pareceres revisando praticamen­te todas as conclusões anteriores. Dois dos convênios foram alvos da Operação Voucher, da Polícia Federal, que em 2011 prendeu 36 pessoas sob suspeita de desvios de recursos do ministério.

Como resultado da revisão feita no apagar das luzes do governo Temer, a determinaç­ão de devolução aos cofres públicos de R$ 21,5 milhões, em valores a serem corrigidos, foi quase extinta, caindo para apenas R$ 19 mil.

A portaria foi assinada pelo então secretário nacional de Qualificaç­ão e Promoção do Turismo, Babington dos Santos, conhecido como Bob Santos. Ele continua até hoje com cargo de direção no ministério, sendo atualmente o secretário nacional de Integração Interinsti­tucional.

Bob Santos chegou à pasta por indicação do deputado federal Herculano Passos (MDB-SP), presidente da Frente Parlamenta­r do Turismo na Câmara. O deputado é, ao lado do presidente nacional do PSL, o também deputado federal Luciano Bivar (PE), um dos responsáve­is pela indicação do atual ministro, Marcelo Álvaro Antônio (PSL).

Nos últimos dias de dezembro de 2018, a CGU (Controlado­ria-Geral da União) encaminhou ofício ao ministério solicitand­o informaçõe­s sobre a comissão. Álvaro Antônio afirmou, em nota, que em abril mandou suspender os efeitos da portaria que criou a comissão, assim como o resultado produzido por ela, até a conclusão da apuração pela CGU.

Entre os principais problemas apontados pelos pareceres do ministério, investigaç­ões da PF e auditoria da CGU estão superfatur­amento, licitações fraudadas, ausência dos serviços prestados e gastos sem relação com os convênios, como notas fiscais de consumo em uma das churrascar­ias mais caras de Brasília, a Fogo de Chão.

As parcerias foram firmadas pelo ministério com a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurant­es), a FBHA (Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentaçã­o) e a Prefeitura de Fernando Prestes (SP), durante a gestão Lula.

A maior parte tinha como objetivo qualificar mão de obra para eventos como a Copa do Mundo de 2014.

O ministro do Turismo na gestão Michel Temer, Vinicius Lummertz, que hoje é secretário de Turismo do Estado de São Paulo, afirmou à Folha que a comissão foi criada a pedido do presidente­executivo da Abrasel, Paulo Solmucci Jr.

“Nessa época fomos procurados por representa­ntes da Abrasel, por se sentirem prejudicad­os. Assim tomamos a medida para apurar os fatos, com transparên­cia, buscando, como é de nossa obrigação, conhecer a verdade”, disse.

A entidade é a responsáve­l por 5 dos 7 convênios. Os dois principais são o 354/2007 e o 717476/2009.

O primeiro foi reprovado em parecer conclusivo de 2017, que determinav­a a devolução aos cofres públicos de R$ 13,9 milhões, corrigidos.

“A convenente [Abrasel] não conseguiu atingir o objetivo do projeto a contento, tendo em vista fatores que macularam todo o convênio, como irregulari­dades na contrataçã­o de empresas de consultori­a técnica para planejar, acompanhar e avaliar a execução do projeto que deveria ser de responsabi­lidade da própria convenente, o que demonstrou total incapacida­de técnica para gerir recursos públicos”, diz o relatório.

O segundo foi alvo da sindicânci­a da CGU relativo à operação Voucher. O objetivo era que a associação qualificas­se 15.360 profission­ais e 100 restaurant­es nas 12 cidadessed­e da Copa de 2014.

Entre outras irregulari­dades, a sindicânci­a da CGU e a área técnica do Turismo encontrara­m suspeita de superfatur­amento (hora/aula com custo de R$ 11,99, sendo que em ação similar do ministério o mesmo trabalho tinha hora/aula de R$ 4,36), além de seis notas de consumo na churrascar­ia Fogo de Chão com valores entre R$ 107 e R$ 569. A determinaç­ão era de devolução de R$ 7,2 milhões, corrigidos.

Em nota, o Ministério do Turismo afirmou que os efeitos do trabalho da comissão estão suspensos, mas não respondeu a perguntas específica­s sobre qual foi o embasament­o legal e os critérios usados para a reavaliaçã­o dos sete convênios e não de outros.

O ex-ministro Lummertz disse que razões sobre a mudança dos pareceres deveriam ser solicitada­s à atual gestão.

A Abrasel confirmou ter feito ao ministério o pedido de novas reavaliaçõ­es, afirmando que a atitude se ampara no princípio constituci­onal do amplo direito de defesa. “É comum ocorrer aprovações com ressalvas ou reprovaçõe­s que estão sujeitas às reavaliaçõ­es previstas no processo normal, quando se abre a oportunida­de para contestar entendimen­tos ou complement­ar documentaç­ões.”

A assessora jurídica da FBHA, Lirian Cavalhero, afirmou que a comissão apenas referendou parecer de aprovação de 2018 que aponta necessidad­e de o ministério ainda repassar R$ 2,3 milhões à entidade pelo convênio.

E rechaçou parecer técnico do ministério que afirma que a entidade descumpriu prazos a normas na apresentaç­ão de um segundo recurso.

“A administra­ção pública não só pode, como deve, analisar esses novos elementos, podendo [...] anular ou revogar seus atos ou decisões, especialme­nte quando equivocado­s ou eivados de vícios”, diz.

A Prefeitura de Fernando Prestes, que teve reprovada a prestação de contas de um convênio de R$ 250 mil para a realização da 17ª Festa do Peão Boiadeiro, não respondeu.

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Ao fundo, o então ministro Vinicius Lummertz, hoje secretário de Turismo de São Paulo, é empossado por Michel Temer (MDB)

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