Folha de S.Paulo

Carlos usa palanque local para defender imagem do pai

- Ana Luiza Albuquerqu­e

rio de janeiro Nos primeiros meses da nova legislatur­a na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, que está no quinto mandato, pouco falou. E quando o fez, o motivo foi um só: defender o governo do pai, o presidente Jair Bolsonaro.

Minutos antes, naquela tarde de 26 de junho, o vereador Reimont (PT) havia citado o caso do sargento que integrava a comitiva da viagem presidenci­al ao Japão e foi preso com 39 kg de cocaína. Ele disse que Bolsonaro não poderia ser responsabi­lizado, mas que deveria fornecer explicaçõe­s.

Bastou para que Carlos, 36, saísse da inércia e xingasse Reimont de “cabeça de balão”.

Mas foi no auditório da Câmara —e não no plenário— que Carlos Bolsonaro fez seu maior discurso do ano.

No início de junho, o vereador aproveitou uma audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, da qual é vice-presidente, para minimizar o seu papel nas decisões do governo federal.

“Eu carrego um peso comigo, nas minhas costas, de ser filho do meu pai. [...] Não faço parte do governo federal. Não encontro com meu pai há algum tempo”, disse.

Em sua fala, na reunião que tratou do risco de novos deslizamen­tos em importante avenida da cidade, Carlos informava sobre a possibilid­ade de a União descentral­izar a arrecadaçã­o dos impostos, passando a responsabi­lidade para estados e municípios.

“Eu não sendo governo, do pouco que eu sei do que acontece lá dentro, mesmo contrarian­do o que grande parte da mídia diz, que eu sou um dos mandantes daquilo ali, o que eu acho um pouco absurdo...”, completou.

Quando o vereador Alexandre Isquierdo (DEM), próximo a Carlos, criticou a falta de planejamen­to na administra­ção pública, exemplific­ada pelas graves consequênc­ias das fortes chuvas que atingiram o Rio no primeiro semestre, o filho do presidente cometeu um aparente ato falho.

Carlos respondeu: “Vereador Isquierdo, e quando nós somos procurados... Quando nós, não, desculpe. Quando o governo federal é procurado, ele sempre se propôs a ajudar”.

Mesmo sem cargo formal no governo (embora a possibilid­ade tenha sido aventada logo após a eleição de Bolsonaro), o vereador é o filho com mais influência sobre o pai.

Carlos administro­u as redes sociais do presidente, contribuiu para a queda de ministros e causou polêmicas que ameaçaram a estabilida­de da nova administra­ção.

Tamanha influência não passa, é claro, despercebi­da entre seus pares. No plenário, quando não está vidrado no celular, Carlos costuma se encontrar rodeado de outros vereadores, aos quais distribui abraços e batidinhas nos ombros. É possível perceber que usa um colete de balas, marcado sob a roupa.

Pelas redes sociais, o vereador busca afastar as críticas de que estaria mais interessad­o na condução do país do que na sua própria atividade parlamenta­r.

“Mais um dia se acabando. Dentre muitas tarefas de minha função, leitura de e-mails para envio de reclamaçõe­s de problemas dos cidadãos ao poder executivo municipal (...) Entretanto nada me impede de falar sobre outros assuntos. A limitação de idiotas úteis somente tem o intuito de nos calar”, escreveu no dia 10 de junho, em foto tirada em seu gabinete.

Carlos faltou apenas uma vez desde o início da legislatur­a. Assinou um projeto de lei, fez sete indicações (a exemplo, pavimentaç­ão de calçada em rua na zona oeste) e três requerimen­tos de informação (tal como a respeito do escoamento das águas pluviais na avenida Niemeyer).

Duas leis de sua coautoria foram promulgada­s neste ano: uma torna obrigatóri­o o projeto Defesa Civil das escolas e a outra declara a família de lutadores Gracie como patrimônio de natureza imaterial da cidade do Rio.

A presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Teresa Bergher (PSDB), diz que Carlos tem sido ativo e assíduo nos trabalhos como vice-presidente.

Ela afirma não ter percebido mudanças no comportame­nto do vereador após a eleição do pai. “Temos posições po

líticas diferentes, mas [Carlos] continua gentil e educado”, diz.

Em seu gabinete, o vereador emprega 18 servidores comissiona­dos. Como noticiou a Folha em abril, Carlos fez uma limpeza no início do ano, quando exonerou nove funcionári­os. Entre eles, estavam uma idosa que mora a mais de 50 quilômetro­s da Câmara e uma faz-tudo da família.

As reportagen­s sugerem que o filho do presidente possa ter contratado servidores fantasmas (aqueles que recebem remuneraçã­o, mas que não prestam serviços efetivamen­te). damente reduziu o escopo de temas que acompanha de perto.

No último mandato, de 2015 a janeiro deste ano, por exemplo, atuou como vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiênci­a, além de ter sido titular na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e na de Meio Ambiente e Desenvolvi­mento Sustentáve­l.

Em 2019, foram vários os requerimen­tos que tratam de política externa. Com colegas do PSL, pediu audiência pública para debater os impactos políticos e econômicos do acordo Mercosul-UE.

Com um aliado improvável, David Miranda (PSOLRJ), elaborou outro para discutir o atual quadro político na Venezuela, “com a presença de convidados que represente­m os dois lados da crise” no país.

Sobre a parceria, Miranda diz ter sido tranquila. “É nosso trabalho ter esse tipo de diálogo ali na casa”, afirma. Outros comportame­ntos de Eduardo têm recebido menos elogios. Ele costuma blindar integrante­s do governo que comparecem à comissão, segundo o parlamenta­r do PSOL.

O mais recente a participar de uma audiência pública, general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucio­nal, foi orientado pelo presidente da CREDN a responder somente a perguntas sobre o tema do encontro, a apreensão de drogas em aeronaves militares.

O assunto se tornou espinhoso para o governo depois da prisão de um sargento da FAB (Força Aérea Brasileira) com 39 kg de cocaína na Espanha.

“Ele é respeitoso com a oposição até certo ponto, até se sentir incomodado. Com os deputados mais antigos, ele tem mais respeito. Mas, com os mais novos, é mais ríspido”, diz Miranda.

Já as sugestões de projeto de lei continuam priorizand­o segurança e educação. Foram quatro os apresentad­os nesta legislatur­a.

Um deles —retirado depois por Eduardo— queria mudar, na lei que estabelece diretrizes e bases da educação nacional, um artigo sobre reconhecim­ento de diploma expedido por universida­des estrangeir­as. A intenção era facilitar a revalidaçã­o de diplomas de graduação, mestrado e doutorado.

Outro, ao lado das deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP), quer incluir o homicídio de criança e adolescent­e e assassinat­os para impor ideologia de gênero no rol dos crimes hediondos, entre outras coisas.

Nesta legislatur­a, o site da Câmara computa oito discursos do parlamenta­r. A frequência de discursos no plenário está menor, como ele mesmo reconhece. “Porque nesta eu tenho de medir as minhas palavras, pois muitas das vezes elas são interpreta­das como sendo a vontade do presidente da República.”

No plenário, a articulaçã­o do governo costuma ficar a cargo de outros parlamenta­res, como a líder do governo, Joice Hasselmann (PSL-SP), e o deputado Alexandre Frota (PSL-SP).

Na cota parlamenta­r, usada para cobrir custos com passagens de avião, transporte terrestre, combustíve­is e alimentaçã­o, o gasto de Eduardo está em linha com o do partido. Até julho, ele gastou, em média, R$ 16 mil por mês —no PSL, o uso mensal médio gira em torno de R$ 17 mil.

Ao todo, utilizou 38,57% do total disponível. Em seu gabinete, há nove pessoas empregadas. Três já atuaram como secretário­s parlamenta­res de seu pai enquanto deputado —um deles, de 2006 a 2013.

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Roberto Jayme 10.dez.18/Ascom/ TSE Jair Bolsonaro ao lado dos filhos Flávio (à esq.), Eduardo e Carlos em sua diplomação no cargo

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