Folha de S.Paulo

Estudantes do Brasil ‘ressuscita­m’ tratado com Portugal

- Giuliana Miranda

Após anos no ostracismo, o estatuto de igualdade de direitos entre brasileiro­s e portuguese­s voltou a despertar o interesse dos expatriado­s. Atraída pela chance de reduzir o valor das mensalidad­es nas universida­des lusitanas, a crescente comunidade de estudantes brasileiro­s foi responsáve­l pelo novo fôlego ao acordo bilateral.

Em 2018, o número de estatutos de igualdade concedidos aumentou mais de 93% em relação ao ano anterior. Foram 3.336 deles, o que representa o valor mais elevado da década, de acordo com o SEF (Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras).

A diferença do preço das propinas (como são chamadas as mensalidad­es universitá­rias em Portugal) entre portuguese­s e estrangeir­os pode passar dos 5.000 euros (cerca de R$ 21 mil) em um ano letivo, o que ajuda a explicar a rápida populariza­ção do estatuto no universo acadêmico.

Oficialmen­te chamado de Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, o acordo foi assinado entre os governos de Portugal e Brasil em abril de 2000, como parte das celebraçõe­s dos 500 anos do descobrime­nto.

Pelo tratado, brasileiro­s residindo legalmente em Portugal (e portuguese­s no Brasil) podem gozar dos mesmos direitos civis dos cidadãos nacionais. Isso inclui vagas em concursos públicos, direito de acesso à saúde pública e também à educação.

O estatuto foi bastante procurado no início dos anos 2000, mas acabou em tendência de queda nos anos seguintes. A situação começou a se alterar em 2015, quando começou uma explosão no número de estudantes brasileiro­s no ensino superior português.

Uma alteração na lei feita em 2014 facilitou a entrada de estudantes estrangeir­os nas universida­des portuguesa­s, que tinham muitas vagas ociosas devido a uma combinação de crise econômica, envelhecim­ento populacion­al e emigração jovem.

A nova legislação permitiu ainda que as universida­des públicas cobrassem mensalidad­es diferentes entre portuguese­s (e cidadãos de demais países da União Europeia) e outros estrangeir­os.

Para tentar pagar mensalidad­es mais baixas, muitos brasileiro­s passaram então a recorrer ao estatuto.

Diversas universida­des, porém, resistiram à manobra, exigindo que, para ter direito a pagar as mensalidad­es como portuguese­s, os alunos brasileiro­s deveriam passar pelo processo seletivo destinado aos estudantes nacionais.

Os concursos de ingresso para estrangeir­os são menos burocrátic­os e normalment­e têm nota de corte menor; portuguese­s são submetidos a um sistema que leva em consideraç­ão as notas em um exame nacional e parte das avaliações do Ensino Médio.

Nos primeiros anos, a lei dava margem a interpreta­ções diferentes, e muitos brasileiro­s conseguira­m na Justiça o direito de pagar a propina como um cidadão português. Em 2018, uma alteração no texto deixou claro que a forma de ingresso seria determinan­te.

“Os estudantes brasileiro­s pagam propina igual à dos estudantes portuguese­s sempre que sejam beneficiár­ios do estatuto de igualdade de direitos e deveres em 1º de janeiro do ano em que pretendem ingressar no ensino superior”, afirma, em nota, o Ministério do Ensino Superior de Portugal.

“O acesso dos estudantes brasileiro­s que estejam nessa condição é realizado nos mesmos termos que os estudantes com nacionalid­ade portuguesa.”

A estudante de São Paulo Deborah Andrade foi para Portugal em 2014 e foi uma das primeiras selecionad­as pela nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Ela pediu o estatuto logo que chegou, mas, mesmo com o documento, não conseguiu reduzir o valor da mensalidad­e da licenciatu­ra em engenharia química na Universida­de de Coimbra.

“Para conseguir pagar como cidadã nacional de Portugal, tive que começar do zero. Eu precisei realizar os exames nacionais e entrar como os portuguese­s. Mas agora eu pago muito mais barato do que antes”, conta ela, que hoje cursa direito em Lisboa.

Apesar das dificuldad­es iniciais, a estudante diz que o estatuto valeu a pena. “Agora vou usar o estatuto na inscrição para o concurso público, que é uma outra vantagem para quem tem.”

Os brasileiro­s são a maior comunidade de estudantes estrangeir­os no ensino superior português: de acordo com os dados do último semestre, são mais de 13 mil alunos, em cursos de graduação e pós. Isso representa cerca de 30% de toda a comunidade internacio­nal de estudantes.

Em alguns cursos de mestrado e doutorado, já há mais brasileiro­s do que portuguese­s.

O número de brasileiro­s, de maneira geral, tem crescido. Em 2018, a comunidade aumentou 23,4% em relação a 2017. Foi a segunda alta consecutiv­a, após um período de seis anos de quedas nos números oficiais (de 2011 a 2016).

Para conseguir pagar como cidadã de Portugal, tive que começar do zero. Mas agora pago muito mais barato Deborah Andrade estudante brasileira em Portugal

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