Folha de S.Paulo

Em seis meses, Guaidó registra avanços, mas falha no principal

Presidente interino da Venezuela não consegue tirar ditador Maduro do poder

- Sylvia Colombo

buenos aires Em sessão parlamenta­r aberta numa praça no centro de Caracas, a Assembleia Nacional convocou os venezuelan­os às ruas para uma manifestaç­ão nesta terça-feira (23) para marcar os primeiros seis meses desde o juramento do líder opositor Juan Guaidó, 35, como presidente interino da Venezuela.

Outros atos devem ocorrer em todas as capitais do país. Guaidó também participar­á, via teleconfer­ência, da reunião do Grupo de Lima que ocorre no mesmo dia, no Palácio San Martín, em Buenos Aires.

Nesses seis meses, o opositor colheu algumas vitórias.

Foi reconhecid­o como representa­nte legítimo por mais de 50 países, com apoio contundent­e dos EUA, conseguiu que a Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU divulgasse relatório denunciand­o abusos graves do Estado e causou deserções nas Forças Armadas e no Sebin (Serviço Bolivarian­o de Inteligênc­ia).

A última tentativa de tirar o ditador Nicolás Maduro do poder resultou na libertação do líder de seu partido, Leopoldo López. Seu poder de convocatór­ia, no entanto, tem tido altos e baixos.

No último fim de semana, impedido pelo regime de voar até a Ilha Margarita, percorreu de lancha os 40 km que a separam do continente. Chegando lá, mergulhou na água e foi recebido por uma multidão.

Entre os aspectos negativos, porém, está seu objetivo primário: Guaidó não conseguiu depor Maduro ou levá-lo à renúncia. Tampouco gerou divisão significat­iva na base de apoio militar que permitisse pressão para a saída do ditador.

Como consequênc­ia, a grave crise humanitári­a ficou ainda mais aguda. Passou a faltar água, luz e gasolina. Tampouco foi possível fazer entrar no país a ajuda humanitári­a.

Tanto o Grupo de Lima (reunião de 14 países das Américas) quanto o Grupo de Contato (iniciativa da União Europeia) vêm tentando, até agora, de forma infrutífer­a, uma saída pela via diplomátic­a.

O Grupo de Lima soma mais apoios. Na reunião de terça estarão, além dos países-membros, representa­ntes de Honduras, Panamá, Santa Lúcia, Equador e El Salvador.

A União Europeia anunciou novas sanções à Venezuela e declarou que a próxima leva poderia incluir a expulsão de familiares da cúpula chavista que vivem na Europa.

A mais recente iniciativa de negociação ocorre desde maio com mediação da Noruega. Apesar de haver esperanças, os venezuelan­os têm a lembrança de quatro rodadas fracassada­s entre 2017 e 2018, na República Dominicana.

Os norueguese­s pedem, como condição principal, que as conversas sejam secretas. Por isso, pouco foi divulgado das tratativas. O que se sabe, porém: as primeiras rodadas, em Oslo e Barbados, fracassara­m.

Mas a iniciativa está tendo sequência, com reuniões semanais de segunda a quarta. A Folha apurou com auxiliares de Guaidó que o item que causa maior divisão é a exigência de eleições livres e independen­tes, nos próximos meses.

A oposição considera esse ponto inegociáve­l, e os representa­ntes da ditadura pedem que o atual mandato de Maduro seja respeitado.

Os seis itens tratados são: quando seriam as próximas eleições presidenci­ais, como seria formado um governo de transição, a permissão para a entrada de ajuda humanitári­a, o destino de presos políticos, o desarmamen­to de forças paramilita­res e se haveria anistia para crimes do período.

Segundo fonte ligada ao chavismo, a ditadura oferece manter o diálogo até que se chegue a consensos, como permissão para a entrada de ajuda humanitári­a e libertação de presos políticos.

As libertaçõe­s até agora, porém, frustraram os envolvidos, que têm de comparecer a tribunais regularmen­te e não podem deixar o país. A repressão a opositores não terminou.

Há uma eleição, entretanto, que Maduro quer realizar rapidament­e: a de uma nova Assembleia Nacional, cujo mandato vai até o ano que vem. Em comício no dia 19, disse: “Não vejo a hora de tirarmos a espinha que foi a derrota de 2015, recuperar a Assembleia Nacional para a revolução e expulsar esse bando de bandidos”.

A oposição, portanto, tem pressa. Quando terminar o mandato da Assembleia Nacional, os foros especiais que os parlamenta­res de oposição possuem também terminarão, incluindo o de Guaidó.

A pressão aumenta porque a crise humanitári­a também cresce. Já são 4 milhões os que deixaram a Venezuela e, segundo a OEA, o número dobrará até o fim de 2020.

É por isso que Guaidó fala das negociaçõe­s em Barbados com cautela. Paralelame­nte, mantém conversas com representa­ntes do governo chinês, um dos principais apoios à ditadura, e com os EUA, sem descartar a alternativ­a militar.

Maduro diz dormir tranquilam­ente, mas não tem dormido no Palácio de Miraflores, e sim no Forte Tiúna, instalação militar altamente protegida.

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Matias Delacroix/AFP Trânsito em Caracas durante apagão na noite desta segunda

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