Folha de S.Paulo

Mudança é viável, mas exige renovação da frota brasileira

- Eduardo Sodré

Embora raros, caminhões movidos a gás natural já existem e mais modelos devem chegar ao mercado nacional entre 2020 e 2021. Além disso, é tecnicamen­te possível fazer a conversão parcial de modelos a diesel.

Porém, há problemas para a implementa­ção em larga escala, como a falta de pontos de abastecime­nto nas estradas e a inexistênc­ia de um programa de renovação de frota.

A Iveco testa essa opção desde o início da década, com aplicação em modelos pesados que fazem transporte dentro de fábricas ligadas ao grupo CNH Industrial.

O GNV (gás natural veicular) é oferecido também em veículos comerciais de menor porte (uso urbano) vendidos por encomenda, em pequena escala.

A Scania anunciou um ciclo de investimen­tos de R$ 1,4 bilhão a partir de 2021.

Um dos pontos contemplad­os é a produção em maior volume de caminhões grandes movidos a gás.

As primeiras unidades devem sair da fábrica de São Bernardo do Campo já no próximo ano. O protótipo que está sendo desenvolvi­do pela montadora sueca consume GNV ou biometano, que pode ser extraído de lixo orgânico.

A redução nas emissões de CO₂ chega a 85% em comparação ao diesel, de acordo com a fabricante.

Já os sistemas de conversão disponívei­s fazem caminhões queimarem uma mistura de GNV e diesel, não sendo possível rodar somente com gás.

Contudo, essa conversão esbarra no envelhecim­ento dos veículos.

De acordo com pesquisa divulgada neste ano pela CNT (Confederaç­ão Nacional do Transporte), a idade média da frota de caminhões em circulação no Brasil é 15,2 anos.

Uma alteração desse tipo pressupõe inspeções regulares do sistema, como já ocorre nos carros adaptados para rodar com GNV.

Quanto mais velho o veículo, maior a necessidad­e de vistorias e reparos.

No caso da comerciali­zação de caminhões novos movidos a gás, o desafio está em criar um modelo viável de renovação de frota.

Caminhonei­ros autônomos têm dificuldad­e para trocar um caminhão com 20 anos de uso por outro 10 anos mais novo. Adquirir um modelo zero-quilômetro mais eficiente e com a mesma capacidade é uma meta distante para esses profission­ais.

Hoje, a retomada de vendas no setor se deve aos grandes frotistas, embalados pelo agronegóci­o.

Com o incentivo ao gás, o programa de renovação de frota de pesados deve voltar à discussão, embora pouco se tenha avançado no tema nos últimos 20 anos.

Se uma nova proposta incluir a troca de veículos a diesel por outros movidos a GNV, haverá um longo período de transição.

As fábricas de caminhões, mesmo as que já têm a tecnologia pronta, demorariam anos para conseguir suprir o mercado. É uma mudança que exige alto investimen­to e precisaria conviver com a produção de modelos a diesel por um bom tempo.

Aí há outro problema: se a ideia é substituir um combustíve­l pelo outro, os modelos a diesel podem sofrer desvaloriz­ação acentuada, o que não é bom nem para montadoras nem para proprietár­ios.

Toda essa movimentaç­ão só fará sentido se houver estrutura de reabasteci­mento. Dificilmen­te um caminhão movido 100% a GNV terá a mesma autonomia dos modelos a diesel, o que exigirá mais paradas nos postos.

Na estrutura atual, em que o gás ainda é raro nas estradas, torna-se inviável.

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