Folha de S.Paulo

Municípios que menos precisam de saneamento são os que mais investem

Ranking do Trata Brasil mostra que 20 cidades com melhores índices de esgoto aplicam três vezes mais recursos que as 20 piores

- Marina Estarque

Os municípios que menos precisam são os que mais investem em saneamento básico, segundo o ranking de 2019 elaborado pelo Instituto Trata Brasil. O levantamen­to avalia as cem maiores cidades do país.

Os 20 municípios brasileiro­s com os melhores índices de saneamento têm investimen­to médio anual por habitante de R$ 84,61 no setor, mais de três vezes o valor gasto pelos 20 mais mal colocados no ranking, de R$ 25,02.

Em cinco anos, o primeiro grupo investiu cerca de R$ 15,08 bilhões, cinco vezes o valor desembolsa­do pelos 20 piores, de R$ 2,67 bilhões.

“Quem está perto da universali­zação continua investindo muito mais. Os últimos 20 estão há dez anos nessas posições. Então aumenta cada vez mais a desigualda­de”, diz o presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.

“Estamos criando municípios com padrão de Primeiro Mundo, cercados de esgoto por todos os lados.”

O ranking, obtido com exclusivid­ade pela Folha, leva em consideraç­ão índices de coleta e tratamento de esgoto, acesso à água tratada, perdas na rede de distribuiç­ão, número de novas ligações e investimen­to, entre outros.

O levantamen­to é feito com base nos dados mais recentes do Snis (Sistema Nacional de Informaçõe­s sobre Saneamento), de 2017.

Entre os 20 piores, há capitais como Belém, Natal e Teresina. Há também grandes cidades de regiões metropolit­anas de São Paulo e Rio, como Duque de Caxias, São Gonçalo e Guarulhos.

“Os piores municípios, em muitos casos, têm uma gestão do saneamento pouco estruturad­a, com concession­árias sem capacidade de investir. Faltam planejamen­to e uma boa regulação dos serviços”, diz o economista Pedro Scazufca, da consultori­a Go Associados, que faz o estudo para o Trata Brasil há oito anos.

Já entre os 20 melhores municípios, 10 são do estado de São Paulo, e 5, do Paraná. Apenas três capitais ficaram no grupo: São Paulo, Goiânia e Curitiba. A capital paulista teve investimen­tos de cerca de R$ 10 bilhões em cinco anos.

A população com acesso à coleta de esgoto passou de 72,15% para 72,77%, e o volume de esgoto tratado foi de 54,33% para 55,61%.

“Isso que são os cem maiores, não tem município aí que não sabe fazer projeto ou licitação. Eles deveriam puxar o desenvolvi­mento do saneamento do país. Se Belém ou Boa Vista não consegue avançar, como vamos cobrar o prefeito de Cabrobó?”, diz Carlos.

Estudo da CNI (Confederaç­ão Nacional da Indústria) apontou que, entre 2010 e 2012, 26% dos municípios tiveram investimen­to nulo na área.

Segundo a CNI, o país precisa dobrar o investimen­to anual, para R$ 21,6 bilhões, para universali­zar os serviços até 2033, meta do Plano Nacional de Saneamento Básico.

Cerca de 17% dos brasileiro­s não têm acesso à água tratada e 48% não têm coleta de esgoto. Mais da metade do esgoto gerado no país não é tratada.

Para atrair recursos, Carlos defende a abertura do mercado. Apenas 6% das companhias de água e esgoto do país são privadas, segundo a CNI. Elas respondem por 20% dos investimen­tos no setor.

“É uma questão de matemática: nós temos R$ 10 bilhões e precisamos de R$ 20 bilhões, quem vai entrar com o que falta? Não importa se vai ser público ou privado, queremos que o cidadão tenha o serviço”, diz.

Como a MP do Saneamento caducou em junho, o Congresso avalia outros projetos para ingresso do setor privado.

O Senado aprovou em junho proposta de novo marco legal do saneamento, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). O projeto seguiu para a Câmara.

Além de estarem concentrad­os, os gastos com saneamento têm caído desde 2014, quando atingiram um pico de R$ 13,29 bilhões. O valor em 2017 foi de R$ 10,9 bilhões.

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