Folha de S.Paulo

SP e RS deveriam liderar reforma da Previdênci­a nos estados agora

Para especialis­ta em contas públicas e Previdênci­a, eleições em 2020 dificultam aprovação de PEC paralela e perder tempo à espera é risco que o país não pode correr

- Ana Estela de Sousa Pinto

São Paulo e Rio Grande do Sul precisam liderar a reforma previdenci­ária nos estados assim que a nova lei federal for aprovada pelo Congresso, defende o economista Fabio Giambiagi, que há 26 anos estuda contas públicas e Previdênci­a Social.

Os governador­es paulista e gaúcho, diz, mostram “grau de controle importante” da agenda legislativ­a estadual. “Se esses dois estados-chave derem o tom, outros seguirão atrás.”

Outra solução terá que ser dada para os regimes municipais. “Não há a menor condição de os municípios fazerem suas próprias reformas.”

Para ele, é um risco fiar-se na aprovação da emenda paralela que, sob coordenaçã­o do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), incluiria estados e municípios nas novas regras.

“Por que deputados que eram contra incluir os estados agora, por razões eleitorais locais, mudariam de ideia em 2020, mais perto das eleições municipais?”, questiona.

Os cálculos de economia de

despesas da reforma variam de menos de R$ 744 bilhões a R$ 900 bilhões em dez anos. Na sua conta, qual é o número? Já é suficiente?

Não tenho cálculo próprio, mas precisamos migrar da pergunta “qual o impacto da reforma em dez anos” para “como ficará a trajetória da despesa do INSS nos próximos cinco anos”. Essa é a pergunta relevante, para mostrar os limites dentro dos quais vai operar a equipe econômica.

E para onde vai a despesa?

Mesmo com o atual texto, continuará aumentando, ainda que a um ritmo bem menor. Se o PIB crescer mais, espera-se que a relação gasto do INSS/PIB diminua levemente.

Se vai continuar aumentando, quando será preciso nova reforma?

Acredito que há uma consideráv­el fadiga com o tema. Houve muito investimen­to de capital político e muito desgaste. Por outro lado, com a retirada do gatilho de correção automática das idades mínimas, os parâmetros vão envelhecer. O cronograma mais viável parece ser novo debate entre 2023 e 2026, para o tema ser retomado pelo presidente eleito em 2026.

Esse cálculo considera estados e municípios dentro ou

Falo das regras federais e do regime geral.

fora da reforma? Qual o impacto de deixar fora estados e municípios?

Falase em cerca de R$ 350 bilhões em dez anos. Mas é muito ruim por três razões. A situação fiscal desses entes é delicada e tende a se agravar.

A grande maioria dos municípios não tem condições práticas de implementa­r uma agenda como essa.

E a terceira é que o tema não sairá das manchetes. Serão mais 12 ou 18 meses de discussões, passeatas e conflito.

A chamada “emenda Tasso”, uma PEC paralela, é uma saída?

Qual é o problema dessa estratégia? É que tudo está bem quando acaba bem. E se no fim a Câmara não aprovar? O país precisa de novas regras para os estados até meados de 2020.

Teremos eleições municipais, e não haverá Cristo que consiga aprovar reforma. Minha recomendaç­ão aos governador­es seria: comecem a trabalhar desde já para enviar projetos às Assembleia­s no dia seguinte à aprovação da PEC e ter condição de aprová-los até no máximo junho de 2020. O pior que pode acontecer seria os estados

Por quê?

ficarem à espera da “emenda Tasso” e ela parar na Câmara.

Acha que a emenda não passa?

Por que deputados que eram contra incluir os estados agora, por razões eleitorais locais, mudariam de ideia em 2020, mais perto das eleições municipais?

Confiar nisso é risco alto demais?

Se for esse o caminho, tem que ser muito, mas muito bem pensado pelo conjunto de lideranças, Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, Paulo Guedes, para que o país não fique até junho “esperando Godot” [alusão a peça de Samuel Beckett]. Vale a velha expressão: “Seguro morreu de velho”.

Digo mais: penso que São Paulo e Rio Grande do Sul deveriam liderar o processo de encaminhar e aprovar reformas.

A recomendaç­ão aos governador­es seria: comecem a trabalhar desde já para enviar projetos às Assembleia­s no dia seguinte à aprovação da PEC e aprová-los até junho de 2020. Depois teremos eleições, e não haverá Cristo que consiga aprovar reforma

Por que São Paulo e Rio Grande do Sul?

São Paulo por ter uma máquina pública exemplar e uma reflexão muito avançada sobre o tema. E Rio Grande do Sul porque o governador tem implementa­do uma agenda reformista com muito ímpeto e demonstrad­o condições de vencer na Assembleia.

Se esses dois estados-chave derem o tom, outros seguirão atrás, até mesmo copiando os termos das propostas.

O que explica a resistênci­a de alguns governador­es?

Uma combinação de esperteza política, para conseguir o bônus sem o ônus político, e resistênci­a ideológica, o que pode ser superado: o próprio Bolsonaro já votou contra reformas e no fim encaminhou a maior delas desde 1988.

Não há a menor condição de termos reformas em cada um desses entes. Não vão acontecer milhares de reformas municipais.

E os municípios? A reforma ficou muito focada nas contas públicas? Deveria haver uma preocupaçã­o redistribu­tiva?

Essa preocupaçã­o esteve presente quando o governo retirou mudanças previstas no meio rural e no BPC [Benefício da Prestação Continuada]. Não vejo a questão fiscal desvincula­da da redistribu­tiva.

Alguma parcela da população continua vulnerável?

Para o futuro, se e quando a crise fiscal for superada, o que ainda está longe, resta o desafio de pensar uma política para quem está perto da aposentado­ria e ficar sem trabalho.

Era o grupo que se procurava alcançar com a proposta original do BPC [que previa um benefício de R$ 400 aos 60 anos e o salário mínimo aos 70 anos de idade].

Esse grupo entre 60 e 65 anos é de fato mais vulnerável que o dos jovens de 30 e 35. É um ponto de atenção para a próxima década.

E as novas gerações? Precisam se preparar para um futuro sem carteira assinada, sem direitos trabalhist­as e sem Previdênci­a Social?

No futuro, haverá menor proporção de empregos como carteira de trabalho como a conhecemos e, sim, mais gente terá que se preparar para ter plano de saúde e de previdênci­a.

Sem isso, arriscam-se a ter problemas se ficarem doentes e perderem capacidade de trabalho. É um desafio universal.

Com informalid­ade, trabalho intermiten­te, pejotizaçã­o, como deve ser financiada a Previdênci­a de agora em diante? O que acha de desoneraçã­o da folha e transferên­cia da despesa para a conta de outras fontes de arrecadaçã­o, como pretende o governo?

Será um desafio manter o cresciment­o da receita, pelos motivos que você mencionou. Como financiar a Previdênci­a é um debate universal, com saídas que não são claras. Não tenho simpatia por mudanças revolucion­árias, migração radical de um sistema para outro.

A reforma combate privilégio­s? Quais sobraram?

Os funcionári­os públicos de mais altos salários vão pagar alíquota que pode chegar a 22%. É um sinal poderoso.

Já policiais vão continuar a se aposentar em idades inacredita­velmente baixas, o que deixa um sabor amargo. Mas não se pode ganhar todas.

O que explica a mudança da opinião pública em relação à reforma, mostrada pelo Datafolha [a oposição à reforma passou de 71%, no governo Temer, para 44% neste mês]?

A primeira razão é que a popularida­de do ex-presidente Temer era muito baixa e a do presidente Bolsonaro é mais alta. A segunda é que o time dos reformista­s ganhou um belo reforço da turma “do ataque”: a do marketing.

O lado técnico sempre foi muito bom, desde a época de Fernando Henrique, mas a turma do marketing era sempre muito melhor no campo dos antirrefor­ma.

Agora o jogo ficou mais equilibrad­o. Entrou uma galera digital que trabalhou muito bem pró-reforma.

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Ricardo Borges/Folhapress

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