Folha de S.Paulo

FGTS é benefício ou custo?

A liberação dos recursos corrige distorções dessa poupança forçada

- Cecilia Machado Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV

O avanço da reforma da Previdênci­a nas últimas semanas abriu espaço para novas discussões na pauta econômica, como a liberação dos recursos das contas ativas e inativas do FGTS na ordem de R$ 30 bilhões.

O principal argumento para a liberação dos recursos do FGTS é o estímulo ao consumo, que dá ânimo à atividade econômica, ainda que de forma temporária. De acordo com alguns analistas, essa injeção de recursos poderia reforçar o cresciment­o em até 0,3 ponto percentual, elevando a projeção do PIB para 1,1% no ano.

Mais importante, e menos discutido, está o fato de que a liberação dos recursos do FGTS corrige distorções presentes no desenho e na implementa­ção dessa poupança forçada.

Pela regra atual, é obrigatóri­o o recolhimen­to mensal de 8% do valor do salário dos trabalhado­res em uma conta administra­da pela Caixa. A principal finalidade dos recursos é indenizar os trabalhado­res nas demissões sem justa causa —função histórica do FGTS.

Concebido em 1966 como alternativ­a à estabilida­de decenal, o FGTS foi, à época, uma bem-vinda flexibiliz­ação à legislação trabalhist­a em vigor. Mas, desde então, não mais foi discutida, sendo incorporad­a à Constituiç­ão de 1988 como direito trabalhist­a fundamenta­l.

Mas será que os trabalhado­res estão satisfeito­s com essa poupança forçada? Na liberação de 2017, foram retiradas das contas inativas R$ 44 bilhões. De acordo com informaçõe­s da Caixa, 88% do montante passível de saque foi exercido.

A resposta do trabalhado­r foi bastante clara: ele não quer manter seu dinheiro na conta do FGTS. Não se sabe precisar se a retirada ocorre porque essa é uma poupança que o trabalhado­r não gostaria de fazer ou se os saques se justificam pela baixa taxa de retorno do FGTS.

É possível que, mesmo contra a vontade do trabalhado­r, se advogue a favor de políticas públicas que fortaleçam a taxa de poupança. O estímulo à poupança, não necessaria­mente compulsóri­a, faz sentido em situações de baixa instrução financeira, difícil acesso bancário e percepções equivocada­s sobre o futuro. Mas fica difícil fazer no caso em que a poupança forçada é necessária para todos os trabalhado­res, como no caso atual, uma vez que incluem mesmo os que possuem outras poupanças além do FGTS.

Já o baixo retorno é certamente um grande custo aos donos das contas do FGTS e uma evidência objetiva de que o programa reflete muito mais do que a necessidad­e de prover seguro em situações adversas: é um instrument­o impositivo do governo, ao qual não cabe escolha por parte do trabalhado­r, constituin­do mecanismo de repressão financeira.

Hoje, a rentabilid­ade nominal garantida aos depósitos do FGTS dos trabalhado­res é de 3% ao ano, que, descontada a inflação, proporcion­a uma poupança forçada com um rendimento real negativo. Se houvesse a opção de remuneraçã­o a mercado, os trabalhado­res valorizari­am mais esse direito. Na verdade, o direito ao FGTS, defendido por muitos como uma grande garantia trabalhist­a, nada mais é que uma forma de taxar o trabalhado­r no diferencia­l dos retornos.

E a quem interessa a política do FGTS? A quem é financiado por ela, como a construção civil, já que a Caixa destina parte dos recursos do FGTS para o financiame­nto imobiliári­o.

Não foi surpreende­nte ver toda a comoção do setor quando houve o anúncio da possível liberação do FGTS para os seus verdadeiro­s donos. O setor argumentou que a política poderia ser responsáve­l pela demissão de 500 mil funcionári­os do Minha Casa Minha Vida. Mas faltou ser transparen­te e também dizer que alguém está pagando por isso —nesse caso, o próprio trabalhado­r brasileiro.

| dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen | ter. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão | qui. Laura Carvalho | sex. Nelson Barbosa, Pedro Luiz Passos | sáb. Marcos Mendes, Rodrigo Zeidan

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