Folha de S.Paulo

Bolsonaro tira vagas de especialis­tas de conselho de políticas sobre drogas

Presidente diz querer eliminar órgãos do tipo, ‘que não decidem nada’; representa­ntes criticam medida

- Daniel Carvalho e Talita Fernandes Nelson Almeida - 10.mai.19/AFP

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) tirou o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira­s) do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) e reduziu a participaç­ão da sociedade nesse órgão.

Decreto presidenci­al publicado no DOU (Diário Oficial da União) nesta segunda-feira (22) altera a lista de representa­ntes dos ministério­s.

A composição do Conad era estabeleci­da por um decreto do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de 2006.

O conselho contava com participaç­ão de um jurista indicado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), um médico, um psicólogo, um assistente social, um enfermeiro e um educador, todos indicados por seus conselhos federais. Todos esses postos foram cortados.

O mesmo aconteceu com o cientista indicado pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), com o estudante escolhido pela UNE (União Nacional dos Estudantes) e com os nomes da imprensa, antropólog­o, do meio artístico e com os dois representa­ntes de organizaçõ­es do terceiro setor.

Se o decreto anterior previa participaç­ão de alguns ministério­s, agora participam os próprios ministros das pastas de Justiça e Cidadania.

Bolsonaro manteve a participaç­ão de representa­ntes dos Ministério­s da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (Secretaria Especial dos Diretos Humanos da Presidênci­a da República), da Educação, da Defesa, das Relações Exteriores, da Saúde e da Economia.

O presidente também incluiu representa­nte do GSI (Gabinete de Segurança Institucio­nal), além dos secretário­s nacionais de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e de Cuidados e Prevenção às Drogas, do Ministério da Cidadania.

Também há um representa­nte de órgão estadual responsáve­l pela política sobre drogas e outro do conselho estadual sobre drogas.

Além disso, o decreto proíbe a divulgação de discussões em curso sem a prévia anuência dos ministros da Justiça e da Cidadania.

“Há décadas a esquerda se infiltrou em nossas instituiçõ­es e passou a promover sua ideologia travestida de posicionam­entos técnicos. O decreto que assinei hoje extingue vagas para órgãos aparelhado­s no Conselho Nacional sobre Drogas e acaba com o viés ideológico nas discussões”, escreveu Bolsonaro em uma rede social.

Logo depois, escreveu com todas as letras maiúsculas: “Nós somos contra a liberação das drogas!”

O assunto entrou na mira do governo federal neste ano. Em junho, o presidente sancionou lei que altera pontos do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, que, entre outras coisas, autoriza a internação involuntár­ia de dependente­s químicos.

Em abril, Bolsonaro já havia publicado, por meio de decreto, uma nova Política Nacional sobre Drogas, que prioriza a abstinênci­a sobre a redução de danos, em substituiç­ão a texto de 2002 do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Mais cedo nesta segundafei­ra, em entrevista, Bolsonaro disse que pretende estender o enxugament­o de colegiados semelhante­s.

“Como regra, a gente não pode ter conselho que não decide nada. Dada a quantidade de pessoas envolvidas, a decisão é quase impossível de ser tomada. Nós queremos enxugar os conselhos, extinguir a grande maioria deles, para que o governo possa funcionar”, afirmou.

Ele disse ainda que o governo não pode ficar “refém” de conselhos, afirmando que “muitos deles” são formados por pessoas indicadas por gestões anteriores.

O presidente já fez uma sé

Jair Bolsonaro (PSL) em rede social

rie de mudanças na composição de conselhos federais, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente e o Conselho Superior de Cinema.

Entidades excluídas do Conad reagiram ao decreto de Bolsonaro.

A Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional se declarou preocupada com a exclusão dos representa­ntes da sociedade civil e especialis­tas da discussão e elaboração de políticas públicas formuladas no âmbito do Conad.

“O tema é de grande complexida­de e gravidade, com um número elevado de brasileiro­s que sofrem com as drogas, principalm­ente os jovens. Essa situação demanda um esforço que só poderá ter resultados com o envolvimen­to da sociedade civil, estudiosos e especialis­tas para o enfrentame­nto do problema, com o aprofundam­ento do debate sobre ações e políticas efetivas sobre drogas”, diz o comunicado.

O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) qualificou a medida de autoritári­a e antidemocr­ática e disse que ela representa um retrocesso na política sobre drogas no país.

“Impedir a participaç­ão do serviço social e de outras categorias profission­ais da saúde dos debates do Conad é, sem dúvida alguma, uma tentativa de calar a opinião técnico-científica de profission­ais que têm apontado caminhos alternativ­os para a questão das drogas no país”, informa o conselho.

Pelo lado do governo, o Ministério da Justiça se manifestou, afirmando que a nova estrutura moderniza a interlocuç­ão com a sociedade e com os órgãos públicos envolvidos nas políticas antidrogas. Segundo a pasta, a criação de um grupo consultivo, previsto no decreto, vai possibilit­ar a participaç­ão efetiva de seis especialis­tas da área.

O decreto que assinei hoje extingue vagas para órgãos aparelhado­s no Conselho Nacional sobre Drogas e acaba com o viés ideológico nas discussões

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Usuários de drogas concentrad­os na cracolândi­a, em São Paulo

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