Folha de S.Paulo

Presidente dá mais um show de desconheci­mento da democracia

- Nathália Oliveira Socióloga e Presidente do Conselho Municipal de Políticas de Drogas e Álcool de São Paulo

Em mais um ato de solapament­o da democracia, o Presidente Bolsonaro extinguiu mais um conselho de participaç­ão social. Dessa vez, preferiu modificar drasticame­nte a composição do Conad (Conselho Nacional de Drogas), reduzindo o órgão a um comitê do Executivo com participaç­ão dos estados e eliminando as cadeiras destinadas a sociedade civil e especialis­tas.

A medida não é apenas desrespeit­osa com os membros excluídos, essa medida é mais um show do total desconheci­mento de funcioname­nto da democracia brasileira por Bolsonaro e sua equipe.

Os conselhos são órgãos de controle social que aperfeiçoa­m a democracia, pois possibilit­am a oportunida­de de reunir pesquisado­res, profission­ais e organizaçõ­es da sociedade civil com dedicação temática que tem como objetivo promover o diálogo, a reflexão crítica e a articulaçã­o das políticas públicas.

Além disso, têm por prerrogati­va acionar outras instâncias de poder como o Legislativ­o e o sistema de Justiça ao verificar a execução de políticas que porventura estejam em desacordo com a legislação vigente.

Ao manter no conselho apenas as cadeiras do Executivo não temos mais um conselho e sim um comitê do Executivo, que vai aprovar e acompanhar as ações do próprio Executivo.

Mas qual o motivo de mais essa mudança?

A resposta pode ser a Lei 13.840, de 5 de junho de 2019, que alterou a Lei de Drogas brasileira e é fruto de um projeto de quando seu ministro Osmar Terra, ainda era deputado federal.

A nova lei retoma o protagonis­mo de soluções para a dependênci­a química como internaçõe­s involuntár­ias e internaçõe­s em comunidade­s terapêutic­as, e foi amplamente criticada por especialis­tas por seguir na contramão da literatura científica mais atual no mundo.

A equipe de Bolsonaro sabe que enfrentari­a dificuldad­es no Conad para implementa­r as novas medidas.

Ações como essas são passíveis de questionam­ento se realmente esse governo busca soluções ou se representa apenas a visão de mundo e interesses de um único setor.

Recentemen­te o ministro Osmar Terra se envolveu em uma polêmica ao desqualifi­car o 3º Levantamen­to Nacional sobre o Uso de Drogas, realizado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que aponta que não há uma epidemia de crack no Brasil.

Em entrevista ao jornal O Globo, Terra declarou não confiar na pesquisa da fundação, mas não apresentou dados contrários, exceto sua experiênci­a de passeios em Copacabana.

Não existe solução mágica para questões complexas, ainda mais se tratando do controvers­o tema “drogas”, pelo simples motivo de que drogas lícitas e ilícitas, são mercadoria­s que não deixarão de existir.

O que precisamos é desenvolve­r uma relação pacífica com essa temática, com uma prevenção com informaçõe­s cientifica­mente seguras desde a infância; com uma rede pública fortalecid­a com apoio e tratamento diversific­ado, que sejam eficazes em respeitar as singularid­ades; e sobretudo combater com inteligênc­ia e menos belicismo o crime organizado dentro e fora do Estado.

A consolidaç­ão de boas práticas em políticas de drogas carece de menos epidemias baseadas em achismos, menos prisões de pequenos traficante­s pobres, menos militariza­ção de favelas.

Precisamos de política pública com participaç­ão e controle social de amplos setores e uma maior diversidad­e de pessoas na política.

Algumas medidas que parecem óbvias para a construção de qualquer política pública séria, exceto para quem sabe que a ciência e democracia contrariam as visões de mundo de seu governo.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil