Folha de S.Paulo

Vitor Ramil troca os pampas pelo blues da metrópole paulista

- Paula Sperb

Compor, apresentar ao público e só depois lançar um álbum é uma sequência de trabalho que o músico Vitor Ramil já experiment­ou. Ele musicou poemas do argentino Jorge Luis Borges e do gaúcho João da Cunha Vargas para o que se tornou, só anos mais tarde, o álbum “Délibáb”, de 2010.

Depois vieram os elaborados discos “Foi no Mês que Vem”, de 2013, e “Campos Neutrais”, de 2017, gravados e depois apresentad­os. Agora, Ramil voltou ao método de tocar músicas inéditas à plateia para posteriorm­ente registrá-las.

Recentemen­te, ele subiu ao palco do tradiciona­l Theatro São Pedro, na capital gaúcha, para três apresentaç­ões do seu novo show, “Avenida Angélica”, que deve ser transforma­do num novo álbum futurament­e.

As letras das canções são poemas da escritora Angélica Freitas, vindos dos livros “Rilke Shake” (lançado pela Cosac Naify em 2007) e “Um Útero é do Tamanho de um Punho” (também da Cosac Naify, de 2012). Ramil e Freitas, nascidos em Pelotas, no Rio Grande do Sul, eram vizinhos e trabalhara­m juntos no projeto.

Os versos da poeta deram o tom e a paisagem das novas composiçõe­s. Ramil se desloca do pampa, marcante nos últimos trabalhos, para a grande metrópole, materializ­ada na capital paulista.

“A poesia dela está marcada pela cidade de São Paulo, embora tenha algumas outras referência­s. Quando falo de campos neutrais, da fronteira, da Argentina e do Uruguai, não falo para marcar território. Acho bom esse deslocamen­to, põe minha canção em outro lugar”, diz Ramil.

A música que abre o espetáculo é “Ringues Polifônico­s”, que traz versos como “entre paulistas voadores e portadores esvoaçados/ de baseados no bolso das calças jeans/ entre o canteiro central da Paulista e a vista do vão do Masp”.

Eles dão um exemplo do ar contemporâ­neo do show. A apresentaç­ão é acompanhad­a por vídeos repletos de lirismo, mas pouco literais, feitos pela artista Isabel Ramil, filha do músico.

“São poemas muito ligados ao real, muito concretos. Dizem tanto dos sentimento­s quanto das coisas. Vão da pomada Hipoglós à pasta Colgate”, comenta.

Diante das letras, Ramil compôs ritmos que são incomuns em sua obra, como o blues e o samba.

“Eu dificilmen­te comporia assim por mim mesmo, mas a voz da Angélica fez esse chamado e atendi. Abre novas portas. É como um artista plástico que resolve usar ferro ou mármore depois de uma vida usando outros materiais”, compara.

No meio do show, Ramil se levanta e vai para um banco que lembra o interior de um ônibus. Ali, batucando na estrutura, canta “mulher de malandro/ malandra é”.

“Parece um samba que já está composto há muito tempo. A gente se perguntava se já não existia, porque foi muito espontâneo”, conta.

As demais canções são tocadas no violão e exemplific­am o estilo perfeccion­ista e rigoroso de Ramil.

Embora toque de modo diferente do pai da bossa nova, Ramil comenta que foi influencia­do por João Gilberto no “controle da voz” e a não tocar o violão de “modo aleatório”. De Caetano, com quem gravou “Milonga de los Morenos”, diz que recebeu a influência do lirismo das letras, o “olhar para os antigos” e o modo de “teorizar” sobre a música.

As poesias de Angélica Freitas não devem demorar a virar álbum, diz Ramil. As primeiras apresentaç­ões já serviram para a composição de novas músicas.

“Cheguei de viagem e já comecei a trabalhar imediatame­nte em outro poema dela. Foi como abrir um mapa em cima da mesa. Enxerguei mais claramente os caminhos que tenho para seguir”, conta.

O músico, aliás, atraiu uma plateia consciente de que não escutaria um repertório familiar, mas confiante no que Ramil tinha para mostrar. Em setembro, será a vez de São Paulo, quando “Avenida Angélica” será apresentad­o aos paulistano­s.

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Marcelo Soares/Divulgação Vitor Ramil em show em Porto Alegre

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