Dodge recorre de decisão de Toffoli a favor de Flávio
Presidente do STF barrou compartilhamento de dados do Coaf sem prévia autorização judicial
A procuradorageral da República, Raquel Dodge, recorreu da decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, que suspendeu todas as investigações do país que tiveram origem no envio de dados detalhados ao Ministério Público por autoridades fiscais sem aval do Judiciário.
Na última semana, atendendo a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSLRJ), filho do presidente da República, Toffoli determinou que as investigações fiquem suspensas até que o STF defina regras para o compartilhamento de informações entre o Ministério Público e órgãos como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Receita Federal e Banco Central.
No recurso, Dodge diz que a decisão prejudica o combate à lavagem de dinheiro no país e pede que Toffoli especifique quais processos devem ficar paralisados.
Para a procuradora, o envio de informações pelo Coaf é peça fundamental do sistema. “Menos do que isso levará à inefetividade dessa engrenagem e, assim, ao enfraquecimento do combate à lavagem de capitais”, argumenta.
A medida de Dodge ocorre num momento político sensível, em que está em jogo sua própria permanência no comando da Procuradoria. Cabe ao presidente Jair Bolsonaro indicar um nome para chefiar a PGR a partir de setembro, quando termina o mandato de Dodge. A opinião de Toffoli também poderá ter peso na indicação do próximo procurador-geral.
Como mostrou reportagem da Folha, candidatos ao posto de Dodge têm adotado cautela ao comentar a decisão do presidente do STF.
Ao mesmo tempo, membros do Ministério Público Federal de todo o país cobram pronunciamento duro contra ele.
Toffoli vem afirmando que sua decisão não impede o repasse de dados gerais —apenas de relatórios detalhados. Isso é muito grave”, diz.
Em 2011, um dia antes do recesso, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar e interrompeu inspeções iniciadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a partir de informações do Coaf.
A corregedoria nacional pretendia examinara evolução patrimonial de magistrados e servidores em 22 tribunais.
Associações de juízes alegaram que houve quebra ilegal de sigilo de mais de 200 mil pessoas, “sem o conhecimento prévio do próprio CNJ e sem autorização judicial”.
Lewandowski despachou na ausência de Joaquim Barbosa, para quem foi distribuído um mandado de segurança que ainda tramita no Supremo.
Calmon vê semelhanças nos dois episódios.
“Não houve quebra de sigilo. Quando suspendem, paralisa tudo. É porque não querem investigar e julgar”, afirma.
Como a sra. avalia a decisão do ministro Dias Toffoli?
É realmente um retrocesso em nível internacional, inutilizando investigações importantíssimas. Até a Suíça abriu os seus cofres para mostrar o esconderijo, porque o Brasil era uma grande lavanderia. Hoje, o mundo civilizado está muito preocupado com a lavagem de dinheiro.
Toffoli diz que a medida é uma defesa do cidadão, pois, sem controle do Judiciário, qualquer um fica sujeito a vasculhamento na sua intimidade. Agir em prol do cidadão é você apurar quem está lavando dinheiro. A lei de lavagem já está em vigor há mais de 20 anos.
Qual é a importância do Coaf?
É um órgão importantíssimo. O Coaf diz onde estão sendo realizadas operações atípicas. Informa aos órgãos de controle do Estado, como o Ministério Público, os tribunais de contas, a polícia. A partir daí, começam as investigações.
A sra. vê semelhança entre a decisão de Toffoli e a interrupção de investigações do CNJ em 2011?
Foram decisões monocráticas, em período de recesso. Lá atrás, já se começava a não aplicar a lei. Havia uma agitação muito grande. Alguns ministros e conselheiros nem sabiam o que era o Coaf.
Como a sra. usava esses dados?
O Coaf dizia, por exemplo, “existem operações atípicas no Tribunal de Justiça de São Paulo e no de Mato Grosso do Sul”. Comecei a investigar a partir das declarações de Imposto de Renda.
O que seria possível identificar?
A investigação não começa no Coaf, que apenas sinaliza. Começa depois, embasada nas declarações de Imposto de Renda que somos obrigados a entregar aos tribunais. A partir daí, começamos a apurar o patrimônio a descoberto [bens sem comprovação da origem].
Instaurava-se sindicância, uma investigação na corregedoria, com contraditório. Muitos conseguiram esclarecer a origem, como heranças. Em relação aos que não comprovaram, foram abertos processos administrativos. Alguns desembargadores se aposentaram para não ter sua situação devassada pelo CNJ.
Como o colegiado acompanhou essas apurações?
Alegava-se que o Supremo ainda examinava a possibilidade de investigação patrimonial no Judiciário. E que a investigação de juízes era inconstitucional. O conselheiro Bruno Dantas [atual ministro do Tribunal de Contas da União] pediu vista de todos os processos. Acho que terminou tudo arquivado.
A sra. foi acusada de quebrar o sigilo bancário e fiscal de magistrados e servidores. Exatamente. A Associação dos Magistrados do Brasil, a Associação dos Juízes Federais do Brasil e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho entraram com representação criminal contra mim. O então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, mandou arquivar. Não havia a identificação de juízes e servidores que realizaram movimentações atípicas.