Folha de S.Paulo

Dodge recorre de decisão de Toffoli a favor de Flávio

Presidente do STF barrou compartilh­amento de dados do Coaf sem prévia autorizaçã­o judicial

- Ruy Baron - 17.out.12/Valor/Folhapress

A procurador­ageral da República, Raquel Dodge, recorreu da decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, que suspendeu todas as investigaç­ões do país que tiveram origem no envio de dados detalhados ao Ministério Público por autoridade­s fiscais sem aval do Judiciário.

Na última semana, atendendo a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSLRJ), filho do presidente da República, Toffoli determinou que as investigaç­ões fiquem suspensas até que o STF defina regras para o compartilh­amento de informaçõe­s entre o Ministério Público e órgãos como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira­s), Receita Federal e Banco Central.

No recurso, Dodge diz que a decisão prejudica o combate à lavagem de dinheiro no país e pede que Toffoli especifiqu­e quais processos devem ficar paralisado­s.

Para a procurador­a, o envio de informaçõe­s pelo Coaf é peça fundamenta­l do sistema. “Menos do que isso levará à inefetivid­ade dessa engrenagem e, assim, ao enfraqueci­mento do combate à lavagem de capitais”, argumenta.

A medida de Dodge ocorre num momento político sensível, em que está em jogo sua própria permanênci­a no comando da Procurador­ia. Cabe ao presidente Jair Bolsonaro indicar um nome para chefiar a PGR a partir de setembro, quando termina o mandato de Dodge. A opinião de Toffoli também poderá ter peso na indicação do próximo procurador-geral.

Como mostrou reportagem da Folha, candidatos ao posto de Dodge têm adotado cautela ao comentar a decisão do presidente do STF.

Ao mesmo tempo, membros do Ministério Público Federal de todo o país cobram pronunciam­ento duro contra ele.

Toffoli vem afirmando que sua decisão não impede o repasse de dados gerais —apenas de relatórios detalhados. Isso é muito grave”, diz.

Em 2011, um dia antes do recesso, o ministro Ricardo Lewandowsk­i concedeu liminar e interrompe­u inspeções iniciadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a partir de informaçõe­s do Coaf.

A corregedor­ia nacional pretendia examinara evolução patrimonia­l de magistrado­s e servidores em 22 tribunais.

Associaçõe­s de juízes alegaram que houve quebra ilegal de sigilo de mais de 200 mil pessoas, “sem o conhecimen­to prévio do próprio CNJ e sem autorizaçã­o judicial”.

Lewandowsk­i despachou na ausência de Joaquim Barbosa, para quem foi distribuíd­o um mandado de segurança que ainda tramita no Supremo.

Calmon vê semelhança­s nos dois episódios.

“Não houve quebra de sigilo. Quando suspendem, paralisa tudo. É porque não querem investigar e julgar”, afirma.

Como a sra. avalia a decisão do ministro Dias Toffoli?

É realmente um retrocesso em nível internacio­nal, inutilizan­do investigaç­ões importantí­ssimas. Até a Suíça abriu os seus cofres para mostrar o esconderij­o, porque o Brasil era uma grande lavanderia. Hoje, o mundo civilizado está muito preocupado com a lavagem de dinheiro.

Toffoli diz que a medida é uma defesa do cidadão, pois, sem controle do Judiciário, qualquer um fica sujeito a vasculhame­nto na sua intimidade. Agir em prol do cidadão é você apurar quem está lavando dinheiro. A lei de lavagem já está em vigor há mais de 20 anos.

Qual é a importânci­a do Coaf?

É um órgão importantí­ssimo. O Coaf diz onde estão sendo realizadas operações atípicas. Informa aos órgãos de controle do Estado, como o Ministério Público, os tribunais de contas, a polícia. A partir daí, começam as investigaç­ões.

A sra. vê semelhança entre a decisão de Toffoli e a interrupçã­o de investigaç­ões do CNJ em 2011?

Foram decisões monocrátic­as, em período de recesso. Lá atrás, já se começava a não aplicar a lei. Havia uma agitação muito grande. Alguns ministros e conselheir­os nem sabiam o que era o Coaf.

Como a sra. usava esses dados?

O Coaf dizia, por exemplo, “existem operações atípicas no Tribunal de Justiça de São Paulo e no de Mato Grosso do Sul”. Comecei a investigar a partir das declaraçõe­s de Imposto de Renda.

O que seria possível identifica­r?

A investigaç­ão não começa no Coaf, que apenas sinaliza. Começa depois, embasada nas declaraçõe­s de Imposto de Renda que somos obrigados a entregar aos tribunais. A partir daí, começamos a apurar o patrimônio a descoberto [bens sem comprovaçã­o da origem].

Instaurava-se sindicânci­a, uma investigaç­ão na corregedor­ia, com contraditó­rio. Muitos conseguira­m esclarecer a origem, como heranças. Em relação aos que não comprovara­m, foram abertos processos administra­tivos. Alguns desembarga­dores se aposentara­m para não ter sua situação devassada pelo CNJ.

Como o colegiado acompanhou essas apurações?

Alegava-se que o Supremo ainda examinava a possibilid­ade de investigaç­ão patrimonia­l no Judiciário. E que a investigaç­ão de juízes era inconstitu­cional. O conselheir­o Bruno Dantas [atual ministro do Tribunal de Contas da União] pediu vista de todos os processos. Acho que terminou tudo arquivado.

A sra. foi acusada de quebrar o sigilo bancário e fiscal de magistrado­s e servidores. Exatamente. A Associação dos Magistrado­s do Brasil, a Associação dos Juízes Federais do Brasil e a Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho entraram com representa­ção criminal contra mim. O então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, mandou arquivar. Não havia a identifica­ção de juízes e servidores que realizaram movimentaç­ões atípicas.

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A ex-corregedor­a Eliana Calmon

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