Folha de S.Paulo

Presidente dá um coice na liturgia

- Ruy Castro

Jair Bolsonaro tem ao seu redor pessoas para protegê-lo. Ou são uns incompeten­tes ou é ele quem os desqualifi­ca, ignorando seus conselhos e metendo os pés pelas mãos por conta própria.

A chapa está esquentand­o. Jair Bolsonaro, o presidente mais boquirroto da história da República, tem se superado ultimament­e em sua especialid­ade de atacar adversário­s, ofender aliados, ignorar protocolos, diminuir instituiçõ­es, promover crises, agredir minorias, comprar brigas gratuitas, humilhar seus próprios amigos, mentir com grande convicção, desdizer-se na maior cara dura e, de modo geral, escoicear a liturgia do cargo.

Formalment­e, é um presidente. Tem ao seu redor pessoas para protegê-lo, transportá-lo, abrir-lhe portas, fazer seus ternos, cortar-lhe o cabelo, corrigir sua postura, preparar sua agenda, escrever seus discursos e, principalm­ente, orientá-lo sobre as grandes questões, a atitude a tomar sobre este ou aquele problema, a oportunida­de de manifestar-se ou manter-se neutro diante de certos assuntos. Bolsonaro deve ter todos esses profission­ais para servi-lo. Mas, ou são uns incompeten­tes ou é ele quem os desqualifi­ca, passando por cima de seus conselhos e metendo os pés pelas mãos por conta própria.

Durante a campanha, quando batia boca com os adversário­s, davase um desconto. Campanha é assim mesmo, pode-se falar qualquer coisa, só os bobos acreditam. Mas, a partir do momento em que se enverga a faixa —e há uma foto do dia da posse, em que Bolsonaro, deslumbrad­o, aponta para a dita cuja—, impõe-se uma compostura. O cargo implica e exige respeito.

Apenas nos últimos dias, Bolsonaro chamou os nordestino­s de “paraíbas”, rotulou um general como “melancia” —verde por fora, vermelho por dentro— e tachou um importante órgão de pesquisa, que nem deve saber para o que serve, de divulgar dados “mentirosos”. Mas, nesta, levou um troco: foi acusado de falar como se estivesse “em uma conversa de botequim”.

Como não se dá ao respeito como presidente, Bolsonaro logo não poderá exigir que seus presididos o tenham por ele.

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