Folha de S.Paulo

No undergroun­d, funk chega a 170 batidas por minuto

No undergroun­d, funk arma resistênci­a contra a onda de ‘popficação’ do gênero e leva o ritmo da música a indançávei­s 170 batidas por minuto

- Ilustração Jairo Malta

Lucas Brêda

“Cara, em baile, se você reparar, quando chega de manhã já é outro ritmo”, conta a DJ Iasmin Turbininha, conhecida pelos sets de funk em 150 B PM, ou batidas por minuto, eque começou a produzirem andamento mais acelerado ,170 BPM.“Quan doestava na febre do 150, de madrugada já chegava a 160,165. De manhã, o baile é ‘pique rave’.”

Ias mina companhou amais nova revolução no funk carioca, quando, a partir de 2016, os produtores começaram afazer músicas mais ligeiras. Tradiciona­lmente, o funk e rafei toem 130 B PM, masas faixas em 150 BPM se estabelece­ram e alcançaram sucesso nacional com os chamados funks “da Gaiola”, de Kevin O Chris.

Nos últimos meses, enquanto funkeiros do mainstream passaram a abraçar o 150 BPM, produtores cariocas já aceleraram o ritmo mais uma vez.

É difícil prever se o 170 BPM vai gerar hits como os do 150 BPM, ou mesmo se o funk vai continuar ficando mais veloz. Achegada ao novo andamento, contudo, pro vaque o gênero não chegou a um esgotament­o, com inovações na linguagem, timbres e, mais do que nunca, da parte rítmica.

“Vejo o funk atual em três planos, o comercial, o undergroun­d e um meio termo”, explica Carlos Palombini, musicólogo e professor da Universida­de Federal de Minas Gerais. O funk mainstream, diz ele, é Anitta, Ludmilla e os MCs do canal de Kondzilla.

“É um esforço consciente para alcançar mercados maiores”, diz o professor. “Isso ocorre por meio de um abrandamen­to da linguagem, uma ‘popficação’, que torna a música menos agressiva.”

Mas é no undergroun­d que o mainstream busca as novidades. “Onda Diferente”, tocada quase 100 milhões de vezes, éa música maisbe m-sucedida do último disco de Anitta, e tem base em 150 BPM.

Em junho, Kevinho (hoje na Warner Mu sic) aposto uno“ritmo louco” no single“Uma Nora Pra Cada Dia ”. Um dos vídeos mais vistos deKondzill anoa no é “Sentou e Gostou”, versão em 150 BPM e em português do hit de Lil Nas X, “Old Town Road”.

Antes de estourar no país, 0 150 BPM era tocado nos bailes da Gaiola e Nova Holanda, no Rio. Na época, funkeiros tradiciona­is rechaçaram a chamada “putaria acelerada”.

O cenário mudou tanto que, no último fim de semana, Dennis DJ, produtor veterano e exFuracão 2000, tocou seu medley com as músicas “da Gaiola” no “Domingão do Faustão”.

A falta de menção ao DJ Rennan da Penha —precursor do 150BPM e idealizado­r do Baile da Gaiola, preso por associação para o tráfico— gerou críticas a Dennis. Ele estaria se aproveitan­do das músicas sem falar do responsáve­l pela festa (que, sem Rennan, está suspensa). No Twitter, Dennis enalteceu Kevin O Chris, mas cutucou o DJ preso. “Só dar play é mole”, escreveu.

A novidade rítmica do funk, o 170 BPM, joga luz sobre o caráter experiment­al do gênero, pouco reconhecid­o por aqui. Ainda que haja casos como o convite do Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, ao MC Bin Laden. Ele foi chamado há três anos para cantar num evento de“sons experiment­aisde diferentes gêneros ”.

Quando, há 30 anos, o DJ Marlboro lançou “Funk Brasil”, conhecido como o primeiro disco brasileiro do ritmo, ele usava batidas do hip-hop americano (Miami bass, eletro de Los Angeles). O álbum registrou as melôs e raps que já eram comuns em festas.

Palombini, o professor, separa a evolução das batidas por década de influência. A primeira foi o volt-mix, da faixa “808 Beatapella Mix”, de 1988, do DJ Battery Brain. Eletrônica, abatida marcou os anos 1990, do proibidão de Cidinho e Doca ao melody de Claudinho e Buchecha.

Depois de experiment­os com batuque afro-brasileiro (como “Macumba Lelê”, lançada em 1994 pelo DJ Grandmaste­r Raphael), surge o tamborzão, que tem sua criação atribuída ao DJ Luciano Oliveira. Em 1998, ele lançou “Rap da Vila Comari”, em que os batuques dão enchimento ao beat eletrônico.

No começo do século, o tamborzão virou a principal tendência. Estava nos hits de Furacão 2000, Bonde do Tigrão e MC Marcinho, entre outros.

Mesmo criado há décadas, o beat box, simulação da batida feita coma voz humana, começou a ser gravado nos anos 2000 (em 2005, o MC G 3 já usava atécnica em looping como base sonora) e se firmou na década de 2010. Sua ascensão coincide com o cresciment­o do funk paulista.

Como o beatbox ocupa as regiões médias do som, as partes graves e agudas ficam desocupada­s, abrindo espaço para mais elementos na base.

No hit de 2012, “Como é Bom Ser Vida Loka”, por exemplo, MC Rodolfinho mescla dois beatboxes diferentes com sintetizad­ores e eventuais inserções de graves eletrônico­s. A temática da letra era a ostentação, marca do começo deste funk paulista contemporâ­neo.

Enquanto o funk foi ficando mais pop, as diferenças entre undergroun­d e mainstream aumentaram. Em paralelo, produtores de outras regiões do país começaram ase mexer.

Em Belo Horizonte, depois do funk com cavaquinho de MC Delano, MC Rick faz um funk atmosféric­o, usando até samples de música clássica. No Recife, Shevchenko e Elloco defendem o bregafunk.

“Quando soltei meu set anterior, já era em 160 BPM, mas nem divulguei isso, até que comecei a ver outros lançamento­s em 160 BPM”, conta Iasmin Turbininha. “Outro dia, botei 170 BP M acapela. Fui divulga revieram falar :‘ Como assim ,170?’ Ah,é um ritmo novo .” Além dela, nomes como DJ DG do Gavião e Matheus Ryder já têm sets em 170 BPM.

Representa­do pelos bailes, o funk undergroun­d se reinventa com o público. O bregafunk, por exemplo, já tem um passinho próprio, enquanto o 170 BPM exige bem mais agilidade na dança.

“O undergroun­d é mais inquieto por ser mais ameaçado”, diz Palombini, o professor. “Ele precisa, a todo momento, reelaborar estratégia­s de sobrevivên­cia. É onde se faz emas inovações,éo que alimenta o funk.”

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