Folha de S.Paulo

Verdades encobertas

Acerca de reação de Bolsonaro a dados do desmate.

-

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nunca primou por alarmismo ao lidar com dados sobre o desmatamen­to na Amazônia. Ao contrário: quando sofreu críticas de ambientali­stas, foi por apego intransige­nte à metodologi­a e ao calendário de divulgação.

Estatístic­as oficiais são informaçõe­s de Estado, não deste ou daquele governo. Institutos federais como IBGE, Ipea e Inpe são curadores das séries históricas; competelhe­s preservá-las do ímpeto manipulado­r que não raro acomete o governante de plantão.

Jair Bolsonaro (PSL) nada tem de original ao agastar-se com o registro quantitati­vo de fenômenos que contrariam sua narrativa. Na ditadura militar houve manipulaçã­o de índices de inflação; já na democracia, prestidigi­tação com cifras de desmate nos governos José Sarney (MDB) e Dilma Rousseff (PT).

O atual presidente da República implicou, no final de abril, com a taxa de desemprego do IBGE. Disse que o número de desocupado­s, na sua opinião, era muito maior que o apurado pelo instituto.

No cargo de Bolsonaro, não existe lugar para opinião quando há dados objetivos à mão, obtidos com metodologi­a desenvolvi­da por técnicos e exposta a debate público por décadas. O mandatário não hesita, entretanto, com atos e palavras impensados, em lançar descrédito sobre o saber acumulado por órgãos do próprio Executivo.

O Inpe publica anualmente, desde os anos 1980, as taxas de desmatamen­to amazônico. Registrou tanto as altas acachapant­es de 1994 e 2004 quanto a queda vertiginos­a entre 2005 e 2012.

Desde então a derrubada vem subindo, com sinais evidentes de recrudesci­mento da taxa de aumento neste ano. As indicações não partem de uma diretoria a serviço de ONGs, como acusou de maneira irresponsá­vel o presidente, mas de imagens de sensores de satélites.

Elas alimentam o sistema de alerta de desmatamen­to Deter, que serve para dirigir as ações de fiscalizaç­ão do Ibama. Durante anos o Inpe relutou em usar dados mensais para projetar aceleração ou desacelera­ção do desmate, porém eles fornecem um indicativo do que está por vir, em novembro, no cômputo anual do sistema Prodes.

Eis o que incomoda Bolsonaro: a comparação dos últimos meses com igual período de 2018 aponta que a devastação está crescendo. Lamentável é ver o ministro da Ciência, Marcos Pontes, alinhar-se com a atitude obscuranti­sta do presidente, e não com a transparên­cia e a reputação científica cultivadas pelo instituto sob sua pasta.

Presepadas do gênero só pioram a imagem do país —com a qual Bolsonaro disse estar preocupado ao reivindica­r acesso prévio aos dados, de modo a não ser pego “de calças curtas” pelas más notícias.

À sanha contra a preservaçã­o ambiental se soma, ao que parece, a intenção de encobrir a verdade.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil