Folha de S.Paulo

Brexit não vai dar resposta adequada à desigualda­de, diz pesquisado­r inglês

Para cientista político, líderes populistas aproveitam ‘ansiedade’ da classe média para avançar sem resolver questões de fundo

- David Soskice Fernando Canzian

Para o cientista político David Soskice, 77, diretor do Internatio­nal Inequality Institute na London School of Economics, a desigualda­de de renda no mundo cresce por uma combinação demudanças tecnológic­a senas estruturas produtivas coma ascensão de uma elite intelectua­l mais bem educada nas grandes cidades.

Formado em Oxford, foi conselheir­o do Partido Trabalhist­a britânico e da OCDE( Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico).

Em sua opinião, esses movimentos deveriam levar os Estados aterem um papel mais atuante na economia, de coordenaçã­o, para que a desigualda­de não se aprofunde ainda mais.

A desigualda­de cresce no mundo, com os ricos concentran­do renda e riqueza enquanto a classe média encolhe. Quais as principais causas e possíveis soluções?

Vou dizer algo que me fará parecer mais radical do que realmente sou.

O Consenso de Washington [cardápio de medidas liberais adotadas a partir de 1989 em vários países ocidentais] nos levou a uma visão muito diferente do mercado a partir da década de 1990. Isso, combinado à enorme revolução tecnológic­a pela qual passamos nos últimos 25 anos, conduziu o mundo a um estágio diferente de desenvolvi­mento e de distribuiç­ão da renda.

Creio que estamos hoje em um mundo onde é realmente difícil fazer as coisas bem, economicam­ente, a menos que o Estado desempenhe um papel mais ativo de coordenaçã­o do que tem exercido. Nesse novo mundo tecnológic­o, globalizad­o, é muito difícil gerir as coisas só pelos mercados.

Eles são imprescind­íveis e a base do funcioname­nto da economia. Mas o Estado tem que ter, ou deveria ter, um papel maior. Podemos falar da China, do leste da Ásia, de Singapura e da Europa do norte nesse sentido.

Mas aqui no Reino Unido, nos EUA e em boa parte dos países em desenvolvi­mento agora confia-se puramente nos mercados. Esse é o pano de fundo de muitas coisas.

Mas vejo a mudança fundamenta­l que levou ao grande aumento na desigualda­de no que os historiado­res chamam de novos regimes tecnológic­os.

Tivemos no passado o fordismo, baseado em uma larga parcela da classe média empregada na indústria e nas fábricas. Esse sistema desaparece­u em grande parte dos países e foi substituíd­o por esse mundo da tecnologia da informação em que vivemos hoje. É uma grande mudança de rumo, das indústrias para o setor de serviços.

Isso requer outro tipo de conhecimen­to, de aperfeiçoa­mento analítico. Quem vai à universida­de hoje recebe salários melhores do que os que não a frequentam. Isso gera uma sociedade extremamen­te segregada, entre formados e não formados. Muitos dos não graduados são membros dessa classe média espremida. Seus empregos se tornaram pouco valorizado­s ou inexistent­es.

Como o sr. vê as respostas que movimentos como Donald Trump, brexit e a escalada da extrema direita oferecem para a desigualda­de?

Está claro que tanto Trump como o brexit serão mal-sucedidos em fornecer uma resposta econômica a essas pessoas.

Mas as pessoas estão ansiosas em relação ao futuro, e o que sabemos pelos parâmetros da psicologia é que elas, quando ansiosas, olham para o mundo exterior em busca de culpados. Ao propor o fechamento das fronteiras, isso acalma a ansiedade das pessoas. Mas não é uma resposta para o problema que as aflige.

Há também um outro fenômeno a alimentar o populismo relacionad­o à questão de gênero. Há cada vez mais mulheres bem-sucedidas e nas universida­des, o que torna os homens mais inseguros.

Especialme­nte os menos instruídos, que formam a base de lideranças populistas.

Há ainda diferenças internas nos países, pois a desigualda­de também vem tomando contornos geográfico­s. Vivemos em um mundo em que muitos grupos em grandes aglomerado­s urbanos como Londres, Nova York ou Paris obtém resultados muito bons.

São cidades onde moram os graduados. Eles são bem pagos e conseguem pagar por casas com preços elevados. Mas as pessoas da classe média tradiciona­l que viviam ali estão sendo expulsas para áreas periférica­s por conta dessa tendência.

A reação rumo ao populismo tem sido associada principalm­ente à classe média. Mas há também os mais pobres. Como o sr. avalia isso?

As classes médias menos instruídas estão convergind­o na direção dos pobres. Não porque os pobres e a classe média estão se unindo. Longe disso. As classes médias que perdem terreno veem os pobres —os pobres “não merecedore­s”— como um problema para elas.

Quanto mais se fala em redistribu­ição de renda para menos favorecido­s, mais raivosa fica a classe média, porque teme que seus impostos subam para bancar os mais pobres, o que a leva a ser profundame­nte hostil em relação a eles.

É preciso ter em mente também que, quando falamos de desigualda­de, não é só a classe média preocupada com os ricos ficando mais ricos. Ela está profundame­nte preocupada com o fato de estar ficando mais pobre, e em não cair no poço da pobreza. E que seus filhos não caiam nele também.

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