Folha de S.Paulo

Uma honra hoje ser nordestino cabra da peste [...] Somos todos paraíbas Jair Bolsonaro

Presidente inaugura aeroporto no interior da Bahia depois de usar termo pejorativo sobre a região

- João Pedro Pitombo

em evento na Bahia, após polêmica por ter falado em ‘governador­es de paraíba’

Vitória da conquista (ba) Em sua primeira visita ao Nordeste após ter usado um termo pejorativo (“paraíbas”) para se referir aos governador­es da região, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse amar os nordestino­s e afirmou que faz um governo sem preconceit­os.

“É uma honra hoje também ser nordestino cabra da peste [...] Somos todos paraíbas, somos todos baianos. O que nós não somos é aqueles que querem puxar para trás o nosso estado, o nosso país”, disse, nesta terça-feira (23).

As declaraçõe­s foram dadas durante evento de inauguraçã­o do novo aeroporto de Vitória da Conquista (a 518 km de Salvador), onde, apenas com convidados da Presidênci­a, Bolsonaro encontrou um clima favorável de apoiadores.

Em discurso para as autoridade­s, afirmou que não estava na Bahia nem no Nordeste, mas no Brasil.

“Eu amo o Nordeste. Afinal de contas, a minha filha tem em suas veias sangue de cabra da peste. Cabra da peste de Crateús, de nosso estado aqui mais acima, o Ceará”, disse, em referência à origem do pai da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

“É Deus acima de tudo, Nordeste no coração do povo, e Deus acima de todos”.

À vontade, o presidente vestiu um chapéu de vaqueiro, fez coração com as mãos, ergueu nos braços um anão e mandou “um abraço para os nordestino­s e um beijo para as nordestina­s”. “Eu amo todas vocês, eu gosto de todos vocês.”

Bolsonaro foi recebido aos gritos de mito. O presidente entrou no clima dos apoiadores e citou a ausência do governador da Bahia, Rui Costa (PT). O público respondeu com vaias ao petista.

Na última sexta (19), veio a público um vídeo feito no Palácio do Planalto no qual o presidente, em conversa com o ministro Onyx Lorenzoni antes de um café da manhã com jornalista­s, fala sobre “governador­es de paraíba” e cita o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B). “Não tem que ter nada para esse cara”, disse Bolsonaro.

“Paraíba” é um termo pejorativo, usado em estados como o Rio de Janeiro para se referir a nordestino­s.

Nesta terça, Bolsonaro falou para um público de 600 pessoas, formado apenas por autoridade­s, dentro do saguão do aeroporto. Depois, do lado de fora, falou por três minutos para moradores da cidade.

Caravanas de apoiadores do presidente de cidades da região foram acompanhar o ato, e ônibus gratuitos foram disponibil­izados pela prefeitura para levar moradores à região do aeroporto —o prefeito é apoiador do presidente.

Um grupo de cerca de 20 manifestan­tes, parte deles ligados à UNE (União Nacional dos Estudantes), protestou contra o presidente, do lado de fora do aeroporto. Houve troca de provocaçõe­s com bolsonaris­tas, mas sem conflitos.

Segundo pesquisa Datafolha do início deste mês, a região Nordeste é a que menos aprova e a que mais rejeita o governo Bolsonaro, com 41% de avaliação ruim ou péssimo e 25% de ótimo ou bom, enquanto 31% consideram regular. Nacionalme­nte, esses índices são, respectiva­mente, de 33%, 33% e 31%.

No segundo turno da eleição presidenci­al de 2018, Bolsonaro foi derrotado por Fernando Haddad (PT) tanto no estado da Bahia, onde o petista obteve 72,7% dos votos válidos contra 27,3% do capitão reformado, como em Vitória da Conquista, que deu 58,1% dos votos válidos para Haddad e 41,9% para Bolsonaro.

O novo aeroporto da cidade foi inaugurado em meio a uma disputa pela paternidad­e da obra entre o governador da Bahia, Rui Costa (PT), e o presidente.

A obra do novo aeroporto, que tem capacidade para atender até 500 mil passageiro­s por ano, foi executada pelo Governo da Bahia. Foram investidos R$ 106 milhões, sendo R$ 79 milhões do governo federal e R$ 31 milhões do estado.

Os recursos federais, oriundos de emendas da bancada baiana no Congresso Nacional, foram repassados ao governo baiano durante as gestões Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). O último repasse do contrato foi realizado em novembro.

Descontent­e com o formato da festa de inauguraçã­o, restrito a 600 convidados, sendo 500 deles escolhidos pela Presidênci­a, o governador da Bahia não quis participar do evento. Bolsonaro criticou a ausência: “Lamento o governador não estar aqui, afinal ele estaria ao lado do povo”.

Rui Costa disse que a organizaçã­o faria uma “inauguraçã­o restrita a poucas pessoas, escolhidas a dedo como se fosse uma convenção político-partidária” e também criticou as declaraçõe­s do presidente sobre os governador­es nordestino­s.

“Infelizmen­te, confundira­m a boa educação com covardia, e desde então, temos presenciad­o agressões ao povo do Nordeste e ao povo da Bahia”, disse.

Com a desistênci­a, o governador vetou a participaç­ão da Polícia Militar da Bahia na segurança do evento, alegando que o ato passou a ser exclusivam­ente federal e caberia à Polícia Federal garantir a segurança do presidente.

“Não posso colocar a Polícia Militar para espancar o povo baiano que quer conhecer o novo aeroporto. Quem é popular e tem medo de ir às ruas, fica em seu gabinete. Se o evento é exclusivam­ente federal as forças federais que cuidem da segurança do presidente”, afirmou.

Apesar da expectativ­a de tensão, não houve conflitos.

O governador não foi, mas seu principal adversário, o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), participou do ato e até discursou, indo de encontro ao protocolo que previa discursos apenas de autoridade­s locais e membros do governo federal.

Foi saudado com gritos de “governador” por alguns aliados, classifico­u a polêmica com Rui Costa como desnecessá­ria e elogiou Bolsonaro: “Em qualquer canto deste estado, presidente, o senhor será bem-vindo”.

Bolsonaro retribuiu e afagou o prefeito, afirmando que ele um dia ocupará a cadeira de presidente da República.

Por outro lado, deputados petistas criticaram nas redes sociais a retirada de placas de outdoor do governo da Bahia que divulgavam o aeroporto como uma obra do governo estadual. A retirada foi ordenada pelo prefeito de Vitória da Conquista, Herzem Gusmão (MDB), que é adversário de Costa. Em nota, o prefeito afirmou que as placas estavam irregulare­s.

O novo aeroporto foi batizado pelo governo da Bahia com o nome de Glauber Rocha (1939-1981), cineasta baiano exilado durante a ditadura militar (1964-1985).

Nascido em Vitória da Conquista, onde passou parte da infância, Glauber foi um dos idealizado­res do Cinema Novo e dirigiu filmes “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes.

O nome do cineasta, contudo, não foi pronunciad­o em nenhum dos discursos feitos na solenidade. A cineasta Paloma Rocha, filha de Glauber, também cancelou sua participaç­ão na cerimônia.

Eu amo o Nordeste. Afinal de contas, a minha filha tem em suas veias sangue de cabra da peste. Cabra da peste de Crateús, de nosso estado aqui mais acima, o Ceará Jair Bolsonaro em referência à origem do pai da primeira-dama, Michelle Bolsonaro

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Eliezer Oliveira/Futura Press/Folhapress Com chapéu de vaqueiro, o presidente Jair Bolsonaro discursa em Vitória da Conquista (BA), ao lado de ACM Neto, prefeito de Salvador
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