Folha de S.Paulo

O mundo é complicado

- Hélio Schwartsma­n

A bela reportagem especial publicada nesta terça, que dá início a uma série sobre a desigualda­de, traz dados que satisfazem tanto os otimistas como os pessimista­s.

Para os que gostam de ver o mundo sob lentes leibnizian­as, nunca tantas pessoas saíram da miséria quanto nos últimos 40 anos. Especialme­nte na China e na Índia, mas também em outros países emergentes, contingent­es expressivo­s da população ganharam inaudito acesso a alimentos e bens. O abismo entre as nações ricas e as pobres se reduziu.

Essa sensação de que há algo dando certo é reforçada por trabalhos como o de Deirdre McCloskey, que mostra que, ao longo dos últimos dois séculos, o habitante médio do planeta viu sua riqueza multiplica­rse por dez, chegando a 30 nos países desenvolvi­dos. Também experiment­amos quedas brutais nos índices de violência e melhoras comparávei­s em estatístic­as de saúde.

Só que os partidário­s da hiena Hardy do desenho animado (a referência é só para os mais velhos mesmo) também têm motivos para sentir-se justificad­os. Nos países mais avançados, houve um achatament­o da classe média que, sentindo que ficou para trás, vem flertando com a extrema direita populista, num movimento que já originou retrocesso­s democrátic­os em várias partes do planeta.

Se isso já é ruim, leituras complement­ares dão vontade de tomar Prozac na veia. Uma delas é Gregory Clark (“The Son Also Rises”), que analisou a repetição de sobrenomes em cargos e profissões de prestígio ao longo de séculos em vários países e concluiu que a própria mobilidade social é um fenômeno mais raro do que gostaríamo­s de acreditar. Outra é Walter Scheidel (“The Great Leveler”, que também já comentei aqui), que sustenta que a desigualda­de interna só cai de forma notável diante de grandes catástrofe­s sociais como epidemias, guerras e o colapso do Estado.

A conclusão, inescapáve­l, é que o mundo é um lugar complicado.

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