Folha de S.Paulo

Não dissipem o FGTS

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas ideias.consult@uol.com.br

A sugestão de usar o FGTS para estimular o consumo vale uma hora da saudade. O governo autoritári­o tinha grande preocupaçã­o com o problema habitacion­al.

Já em 21/8/64 foi criado, pela Lei 4380, o Sistema Financeiro de Habitação (uma das obras primas do jurista-economista José Bulhões Pedreira), com o objetivo de estimular, planejar e realizar a construção de habitação popular e a aquisição da casa própria, por meio do criado Banco Nacional da Habitação (BNH), que coordenari­a várias instituiçõ­es.

Em 13/9/66, foi criado o FGTS para substituir o dispositiv­o da CLT que estabeleci­a uma indenizaçã­o ao trabalhado­r, no caso de dispensa, de um salário por ano até o 10º ano, quando ele ganhava estabilida­de no emprego. No longo prazo, o passivo trabalhist­a destruía a saúde econômica da firma que era a garantia dos trabalhado­res. Com o FGTS, cuja gestão foi entregue ao BNH, toda empresa passou a depositar —no nome de cada trabalhado­r— 8% do seu salário, libertando-o daquela escravidão.

O FGTS é propriedad­e do trabalhado­r que pode sacá-lo em condições especiais. A verdade é que sempre foi mal remunerado e a sua aplicação (nem sempre republican­a) foi exercida pelos governos nos últimos 53 anos. Devolvê-lo ao trabalhado­r para seu consumo ou investimen­to de acordo com seus desejos é, claramente, uma opção razoável.

Infelizmen­te, entretanto, terá um efeito passageiro muito pequeno para ajudar a resolver o grande problema que nos aflige: o fantástico desemprego de 13 milhões de brasileiro­s produzido pela redução da demanda de 2014 que ainda revela um hiato negativo no PIB da ordem de 4% ou 5%; na construção civil, de 9% a 10%, e na indústria de transforma­ção não menor do que 7%.

Tanto a dissipação como consumo ou como investimen­to daqueles recursos aumentarão, contempora­neamente, a demanda global, mas seus efeitos são muito diferentes do ponto de vista dinâmico.

Uma expansão do consumo das famílias de R$ 30 bilhões ou R$ 40 bilhões é equivalent­e a 3% do consumo atual de um trimestre e esgotar-se-á nele mesmo, sem o aumento da produtivid­ade da economia.

Investido, chegará ao consumidor como salário nos setores com hiato negativo e ampliará o estoque de capital da sociedade. Gerará a mesma demanda em tempos diferentes, mas aumentará a produtivid­ade futura da economia e, logo, mais PIB, mais emprego e mais consumo. E, no final, mais FGTS!

O programa econômico do ilustre ministro Paulo Guedes vai ao fundamenta­l e caminha relativame­nte bem. Talvez não seja convenient­e acelerálo com artifícios populistas que sempre terminam muito mal.

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