Folha de S.Paulo

Por que Nicolás Maduro sobrevive?

Infortúnio­s desmoraliz­aram as forças oposicioni­stas

- Breno Altman Jornalista e fundador do site Opera Mundi

Uma penca de analistas está às voltas com a corrosão de seus prognóstic­os sobre a situação venezuelan­a. Quando o líder da oposição, Juan Guaidó, se autoprocla­mou presidente interino, em 23 de janeiro, fartas foram as apostas de que o governo Nicolás Maduro estava por um fio.

Seis meses depois, quem exala o odor de um cadáver político é o encarregad­o de sucessivas e fracassada­s intentonas.

O cálculo da direita venezuelan­a era que o estabeleci­mento de um cenário marcado pela dualidade de poder, sob forte tensão internacio­nal e medidas de asfixia econômica, provocaria a divisão das Forças Armadas e a derrocada fulminante do chavismo.

Os seguidos infortúnio­s, porém, desmoraliz­aram e cindiram as forças oposicioni­stas, obrigando-as a se sentar à mesa de diálogo iniciada pela Noruega e transferid­a para Barbados. Aliados internacio­nais se afastam, isolando o belicismo da Casa Branca. Míngua sua capacidade de mobilizaçã­o interna, hoje restrita a círculos limitados. Aliados internacio­nais se afastam, enfraquece­ndo a opção intervenci­onista manejada pela Casa Branca.

Mas, afinal, como pode a revolução bolivarian­a sobreviver a um cerco poderoso, a uma crise econômica medonha e aos seus próprios erros? Por que tanto se equivocara­m inimigos e até amigos do chavismo?

Apesar da confrontaç­ão extrema e da ameaça de agressão externa, a ação repressiva tem sido relativame­nte de baixa intensidad­e, embora o próprio governo reconheça atropelos a direitos humanos. O autoprocla­mado presidente interino, por exemplo, continua nas ruas e nenhum partido foi posto fora da lei. Até mesmo presos envolvidos em atos de violência estão sendo libertados.

Atentos à história latino-americana, Hugo Chávez e seu sucessor sempre tiveram como paradigma que as classes dominantes jamais aceitaram ou aceitariam, sem recorrer à contrarrev­olução, quaisquer reformas que afetassem seus privilégio­s, riqueza e poder.

Ao contrário de outras experiênci­as, como a conduzida por Salvador Allende ou a liderada pelo PT, o chavismo se preparou para enfrentar a inevitável ruptura antidemocr­ática, secularmen­te patrocinad­a pela burguesia regional e seus tutores imperialis­tas quando se sentem sob risco.

Além de constante empenho para educar, organizar e mobilizar sua base social como fator de governabil­idade, ao mesmo tempo atendendo históricas reivindica­ções populares, os chavistas conduziram uma ampla reforma do Estado, fortalecen­do a democracia direta, reestrutur­ando corporaçõe­s civis e militares que pudessem ser utilizadas para a sabotagem da ordem constituci­onal.

Em vez de fortalecer a autonomia dessas instituiçõ­es não-eletivas, como o Ministério Público, o Poder Judiciário e as Forças Armadas, trataram de refundá-las sob a hegemonia política e cultural do processo revolucion­ário, legitimada seguidamen­te pelo voto popular.

Muitas das medidas tomadas são polêmicas e desconfort­áveis. Diante da ferocidade histórica dos donos do dinheiro grosso, no entanto, qualquer outro caminho provavelme­nte conduziria à derrocada ou à capitulaçã­o.

É claro que o futuro é incerto e a situação venezuelan­a, de evidente instabilid­ade. Mas, até agora, a coesão social, militar e institucio­nal lograda pelo chavismo, mesmo pressionad­a, faz de Nicolás Maduro um osso duro de roer.

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