Folha de S.Paulo

Bolsonaro errou o tiro no ‘melancia’

O capitão precisa ouvir o conselho do general Médici

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Com 13 milhões de desemprega­dos, a economia andando de lado e a projeção de mais um ano de pibinho, o Brasil já tem problemas suficiente­s, não precisa trazer de volta o fantasma da anarquia militar. Com idas e vindas ele assombrou a vida do país dos últimos anos do século 19 até o final do 20.

Jair Bolsonaro elegeu-se presidente da República pela vontade de 57,8 milhões de brasileiro­s. Teve o apoio público de dezenas de oficiais das Forças Armadas e formou um ministério com oito militares. Fez um agradecime­nto ao ex-comandante do Exército dizendo que “o que nós já conversamo­s morrerá entre nós, o senhor é um dos responsáve­is por estar aqui, muito obrigado, mais uma vez.” Sabe-se lá o que conversara­m, mas desde o primeiro momento o capitão reformado associou seu governo às Forças Armadas. Como agradecime­nto, tudo bem. Além disso, é uma perigosa impropried­ade.

Bolsonaro deixou a tropa depois de dois episódios de ativismo e indiscipli­na. Referindo-se ao capitão, o ex-presidente Ernesto Geisel classifico­u-o como “um mau militar”. Quem está no Planalto é um político com 30 anos de vida parlamenta­r e uma ascensão meteórica. Em seis meses de Presidênci­a, demitiu três oficiais-generais e na semana passada disse que outro, Luís Eduardo Rocha Paiva, aliou-se ao PC do B: “Descobrimo­s um ‘melancia’, defensor da guerrilha do Araguaia em pleno século 21”. Ele havia criticado a escolha de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington e a fala dos governador­es “de paraíba”.

Esse general de brigada chefiou a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e, na reserva, em março foi nomeado para integrar a Comissão da Anistia. Chamá-lo de “melancia” (verde por fora, vermelho por dentro) foi um despautéri­o. Em 2010 Rocha Paiva acusou o PT de “querer implantar um regime totalitári­o no Brasil”. Dois anos depois, lembrou as execuções praticadas pelo PC do B no Araguaia. Foram pelo menos três. (Esqueceu-se das execuções de guerrilhei­ros que se renderam, mas ninguém é obrigado a se lembrar de tudo.)

Tanto o general Rocha Paiva como Bolsonaro deram suas opiniões por meio desse instrument­o diabólico que são as redes sociais. Num caso, falou um general da reserva que ocupa um cargo público. Noutro, o presidente da República. Juntos, produziram um inédito curto-circuito.

A presença de militares no governo gerou a compreensí­vel curiosidad­e em torno de suas preferênci­as e ansiedades. General da reserva é uma coisa, da ativa, outra. Muito outra é general da reserva que ocupa cargo civil. Os chefes militares raramente falavam, de Dutra até comandante­s mais recentes, passando por Castello Branco, Médici e Geisel. O atual comandante do Exército, Edson Pujol, não tem conta no Twitter.

Na dia 12 de outubro de 1977, quando o presidente Geisel demitiu o ministro do Exército, general Sylvio Frota, um grupo de oficiais tentou sublevarse e um general ligou para o expresiden­te Médici, que vivia no Rio, calado. Queria seu apoio e ouviu o seguinte:

“Põe água na cabeça. Põe água para esfriar a cabeça.”

(O general Augusto Heleno, que era capitão e ajudante de ordens de Frota, lembra-se de alguns episódios desse dia.)

Bolsonaro precisa por água na cabeça para cuidar de seu governo, deixando os quartéis em paz e silêncio.

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