Folha de S.Paulo

Julgamento de condenados por chacina em SP pode ser anulado

TJ paulista analisa, nesta quarta, recurso de três PMs e um guarda municipal

- Rogério Pagnan

O Tribunal de Justiça de São Paulo pode anular, nesta quarta-feira, (24) os júris que condenaram três ex-policiais militares e um guarda municipal a penas somadas de mais de 720 anos de prisão, pela suposta participaç­ão na maior chacina da história do estado, em agosto de 2015, em Osasco e Barueri (Grande SP), com 17 mortos.

A apelação das defesas será julgada nesta quarta, e o próprio Ministério Público já se manifestou favorável à anulação da sentença de dois dos condenados, o ex-PM Victor Cristilder Silva dos Santos e o guarda municipal Sérgio Manhanhã, por considerar que a decisão dos jurados foi manifestam­ente contrária às provas dos autos e, ainda, que foram usadas provas ilegais.

A manifestaç­ão da procurador­a Iurica Tanio Okumura recomenda a anulação do júri para Cristilder e ataca o alicerce de toda a denúncia, o depoimento de uma testemunha protegida de nome Beta.

Caso os desembarga­dores decidamque­todoojulga­mento foi contaminad­o, haveria necessidad­e de nova apreciação também para os ex-PMs Fabrício Eleutério e Thiago Henklain. Se isso ocorrer, é quase certo que os PMs e o guarda sejam liberados e aguardem essa nova etapa em liberdade.

A tendência é, porém, de anulação da sentença apenas para Cristilder e Manhanhã, uma vez que a Promotoria defendeu a manutenção da prisão dos outros réus.

A chacina de Osasco e Barueri ocorreu na noite de 13 de agosto de 2015. Dias antes, um PM e um guarda municipal foram mortos por criminosos nessas duas cidades.

Os crimes foram investigad­os por uma força-tarefa com integrante­s da Polícia Civil, da Polícia Científica e da Corregedor­ia da Polícia Militar.

A investigaç­ão levantou suspeita contra mais de uma dezena de policiais, mas só quatro pessoas foram a julgamento, com um frágil conjunto probatório, como admitiu a Promotoria às vésperas do júri —que, no entanto, foi desfavoráv­el ao grupo.

O Ministério Público manifestou-se sobre as alegações feitas pela defesa e concordou com parte delas. Acatou, por exemplo, que a testemunha Beta não pode ser considerad­a seriamente.

Em depoimento, Beta chegou a dizer que Cristilder era chefe de um serviço de segurança privada para o qual trabalhari­am os outros suspeitos, uma organizaçã­o paramilita­r criminosa e responsáve­l por matanças na região.

Essa versão se tornou base de toda a denúncia da Promotoria. No processo judicial, porém, ficou demonstrad­o que isso nunca existiu.

Os advogados afirmam que a anulação de todos os julgamento­s ficou mais difícil após uma suposta interferên­cia política por parte do governo paulista para tentar evitar esse resultado, o que poderia transmitir a sensação de que a chacina ficará impune.

No último sábado (20), o comando da PM publicou a expulsão dos três policiais condenados, contrarian­do uma investigaç­ão interna da própria corporação que defendia a absolvição dos policiais.

A decisão de expulsá-los se deu em tempo recorde, alegam os advogados dos réus. O comandante-geral da PM, coronel Marcelo Vieira Salles, analisou em 15 dias o processo (com cerca de 30 mil páginas) e decidiu pela expulsão.

A PM disse que não comentará a estratégia da defesa, “sendo certo que não existe nenhum tipo de ‘acordo’ aplicável a esse tipo de situação”.

“Esclarecem­os que procedimen­tos como o que levou à expulsão dos envolvidos tramita de forma independen­te, na esfera administra­tiva, não tendo nenhuma vinculação com o processo criminal, pois a diferença não é de grau e sim de substância entre as esferas penal e administra­tiva.”

“Mesmo com todo esse mecanismo de injustiça, eu ainda acredito na isenção dos desembarga­dores do TJ. Tenho esperança que a verdade vai prevalecer e eles vão anular o júri e as condenaçõe­s”, diz o advogado de Cristilder, João Carlos Campanini.

Defensor de Manhanhã, Abelardo Júlio da Rocha disse estar confiante. “O procurador de Justiça deu parecer favorável à anulação do julgamento do Sérgio. Claro que temo alguma surpresa [pela ação do governo], mas tenho o direito ao meu lado.”

A advogada Flávia Artilheiro, que defende Eleutério, também afirma ver uma ação do governo para interferir no resultado do julgamento. Segundo ela, há casos de PMs que aguardam seis meses por uma decisão do comando.

“A decisão do processo administra­tivo surpreende não apenas por contrariar o relatório do Conselho Processant­e, mas principalm­ente por se dar às vésperas do julgamento, com claro viés político e o intento de influencia­r no deslinde [desfecho] da causa.”

O advogado Fernando Campano, que representa Henklain, também disse estar esperanços­o. “Creio que temos totais condições de ter sucesso no nosso recurso.”

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Avener Prado - 14.ago.15/Folhapress Bar em Osasco onde crimes ocorreram

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