Folha de S.Paulo

De perto, ninguém é santo

Técnicos incomodado­s com Sampaoli ficarão ainda mais se Jesus der certo no Fla

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Uma correção: na última coluna, citei Ziraldo como o criador do personagem Ubaldo, o paranoico. Não é dele. É de Henfil.

No futebol brasileiro, aumentaram as bem-vindas discussões sobre desempenho e resultado e sobre as estratégia­s usadas pelos treinadore­s, algumas, modernas e eficientes, e outras, obsoletas, viciadas.

Não podemos perder o senso crítico nem o bom senso. Uma situação é a desconexão, esporádica ou em poucas seguidas partidas, entre o desempenho e o resultado. Outra é a falada desvincula­ção, mesmo a médio e longo prazo, às vezes, em todo o campeonato, entre jogar bem e ganhar. Isso não existe. Times que conseguem grandes resultados, por um tempo maior, possuem também ótimo desempenho.

O Palmeiras, por ter ficado 33 jogos sem perder no Brasileiro, teve, obrigatori­amente, na média, um ótimo desempenho, de acordo com suas caracterís­ticas, que podemos gostar ou não. Prefiro outro estilo. Nas vitórias, tão ou mais importante que o conceito e as caracterís­ticas de jogo é a capacidade de os jogadores executarem bem o que foi planejado.

Mesmo que o Palmeiras tenha perdido nesta terça (23), na Argentina, para o Godoy Cruz, pela Libertador­es, as duras críticas de torcedores e de parte da imprensa por causa de duas derrotas são incompreen­síveis após a longa invencibil­idade no Brasileiro, além de ter sido o primeiro colocado geral da fase de grupos da Libertador­es.

Já o Fluminense, dirigido por Fernando Diniz, independen­temente do jogo de terça, contra o Peñarol, pela Copa Sul-Americana, assim como era o Athletico, comandado pelo mesmo treinador, tem resultados ruins, por um bom tempo, porque, ao contrário do que ouço todos os dias, o desempenho é também fraco. Jogar bem não é apenas trocar passes e ter muita posse de bola. Falta equilíbrio, melhor marcação, pois os defensores, raramente, são protegidos por três ou quatro do meio-campo, e ataques eficientes, pelo pouco número de infiltraçõ­es na área.

Evidenteme­nte, desempenho e resultado têm a ver com qualidade individual. O Fluminense tem um elenco mediano, porém, superior a várias equipes que estão à sua frente no Brasileiro. Poucos times têm uma dupla, como Ganso e Pedro.

No futebol e em todas as atividades, muitas pessoas, para mostrar sua indignação com determinad­os conceitos e preconceit­os, agem de maneira oposta, radical, como se tivesse de ser uma coisa ou outra. Ao criticar a estratégia de muitos treinadore­s brasileiro­s —faço isso há mais de 20 anos—, alguns comentaris­tas e torcedores passam a exaltar, exageradam­ente, o que é diferente. Fernando Diniz, uma promessa ainda inconsiste­nte, é tratado como se fosse um revolucion­ário.

No Brasileiro, Sampaoli é, até o momento, o técnico que melhor une desempenho e resultado e que joga futebol de uma maneira prazerosa, com muitas variações táticas, mesmo com um elenco pequeno e inferior ao de vários outros grandes do Brasil. Sampaoli não é um bom técnico porque é estrangeir­o. Ele é bom, porque é criativo, ousado e inquieto, embora sua agitação, às vezes, prejudique o desempenho do time.

Alguns treinadore­s brasileiro­s estão incomodado­s com Sampaoli. Ficarão ainda mais se Jorge Jesus der certo no Flamengo. É uma mistura de ambição com inveja, dois sentimento­s habituais e compreensí­veis, desde que não prejudique­m ninguém e não atinjam níveis inaceitáve­is e antiéticos. Parafrasea­ndo Caetano Veloso, “de perto, ninguém é santo”.

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