Folha de S.Paulo

Bolsonaro volta a exaltar torturador e recebe sua viúva

Mulher de Brilhante Ustra, símbolo da repressão na ditadura, visita o Planalto no mesmo dia em que Bolsonaro compara comissão a prostituta­s

- Talita Fernandes

Jair Bolsonaro (PSL) voltou a chamar de “herói nacional” o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos símbolos da repressão na ditadura, ao receber sua viúva no Palácio do Planalto. Para o advogado Miguel Reale Jr., a atitude é um “tapa na cara da civilizaçã­o”.

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) voltou a chamar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais símbolos da repressão durante a ditadura militar, de “herói nacional”.

O presidente recebeu no Palácio do Planalto, nesta quinta (8), a viúva do militar, Maria Joseíta Silva Brilhante Ustra, a quem se referiu como alguém com “coração enorme”.

Ustra foi condenado em segunda instância por tortura e sequestro no regime militar (1964-1985).

Ao ser questionad­o sobre o motivo da agenda com Maria Joseíta, Bolsonaro disse que ela foi a revisora do livro de Ustra e que está cheia de histórias para contar sobre as mulheres presas na ditadura.

“Tudo o que ela fez no tocante ao bom tratamento a elas [mulheres presas na ditadura], no tocante a enxoval, dignidade, parto. E ela conta uma história bem diferente daquela que a esquerda contou para vocês. Tem um coração enorme. Eu sou apaixonado por ela”, afirmou Bolsonaro.

“Não tive muito contato, mas tive alguns contatos com o marido dela enquanto estava vivo. Um herói nacional que evitou que o Brasil caísse naquilo que a esquerda hoje em dia quer”, disse.

Em entrevista­s antes de ser eleito presidente, Bolsonaro já apontava a obra “Verdade Sufocada”, escrita por Ustra, como seu livro de cabeceira.

Ustra comandou o DOI-Codi (Destacamen­to de Operações de Informaçõe­s) do 2º Exército (SP) de 1970 a 1974, no auge do combate às organizaçõ­es da esquerda armada.

Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, só na gestão de Ustra a unidade foi o responsáve­l pela morte ou desapareci­mento de ao menos 45 pessoas.

Em 2008, o coronel reformado tornou-se o primeiro oficial condenado na Justiça brasileira em uma ação declaratór­ia por sequestro e tortura durante o regime militar.

A sentença, do juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível de São Paulo, de primei- ra instância, foi uma resposta ao pedido de cinco pessoas da família Teles que acusaram Ustra de sequestro e tortura em 1972 e 1973.

Em sua defesa, Ustra disse que a ação contraria a Lei da Anistia (1979), que significou o perdão dos crimes cometidos durante a ditadura. A decisão depois foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2012.

Essa não foi a primeira vez que Bolsonaro chama o coronel condenado por atos de tortura de herói.

No dia da votação na Câmara que autorizou o prosseguim­ento do pedido de impeachmen­t contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, ele dedicou seu voto ao coronel.

“Nesse dia de glória para o povo tem um homem que entrará para a história. Parabéns presidente Eduardo Cunha. [...] Em memória do coronel Brilhante Ustra, o meu voto é sim”, disse, elogiando também o ex-presidente da Câmara, hoje preso.

Capitão reformado do Exército, Bolsonaro tem falado com frequência sobre o regime militar nas últimas semanas. Em suas declaraçõe­s, tem usado dados falsos, ironizado vítimas e contestado documentos oficiais.

Na semana passada, ele ironizou o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, dizendo que poderia contar o destino de seu pai, Fernando Santa Cruz, desapareci­do em 1974, após ter sido preso pelo governo.

Na manhã desta quinta, ele publicou um vídeo em suas redes sociais no qual compara a Comissão da Verdade, responsáve­l por investigar os casos de mortes e desparecim­entos durante a ditadura, a um livro escrito por prostituta­s.

“Comparo a Comissão da Verdade, esta que está aí, como aquela cafetina que queria escolher a sua biografia e escolheu sete prostituta­s. O relatório final das prostituas era de que a cafetina deveria ser canonizada. Esta é a comissão da verdade de Dilma Rousseff”, afirmou na gravação. O discurso é de novembro de 2014, quando Bolsonaro era deputado federal.

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Antonio Cruz/ Agência Brasil Bolsonaro é abordado por índio ao sair do Alvorada

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