Folha de S.Paulo

Primeira infância

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

As políticas públicas para primeira infância podem ter um impacto grande no desempenho escolar futuro da criança e em outras dimensões da vida, como diminuição de criminalid­ade e encarceram­ento e melhora na empregabil­idade e saúde, segundo James Heckman, prêmio Nobel de Economia. Mais do que tudo, se o investimen­to for correto, elas ajudam a nivelar as desigualda­des de origem socioeconô­mica entre alunos.

Para que isso funcione bem, é necessário não ter uma visão fragmentad­a. As diferentes políticas voltadas à infância precisam trabalhar juntas: a mãe deve receber boa atenção na gravidez e no pós parto, como também visitação domiciliar, o que pode ajudar na amamentaçã­o exclusiva até os seis meses —e as leis trabalhist­as devem prever uma licença maternidad­e compatível com o período— e na formação de vínculos afetivos entre mãe e filho.

Além disso, visitas regulares ao pediatra e as vacinações previstas no calendário ajudam a promover a saúde do bebê. Mas, segundo especialis­tas, é num ambiente de afeto, isento de estresse tóxico, que o cérebro da criança melhor se desenvolve. Se isso puder ser acompanhad­o de conversas constantes, cantigas e leitura, num ambiente limpo e estimulant­e, tudo tende a ocorrer de forma harmônica e saudável.

Mas é aí que começa o problema. Nos meios vulnerávei­s, há problemas com saneamento, com o preparo das mães que muitas vezes são, elas mesmas, pouco mais que crianças e se sentem rejeitadas pela família ou frustradas com a perda dos folguedos próprios da idade. Além disso, como falar de leituras ou de livros?

A saída que se dá para a situação é apressar a entrada em creches. Afinal, lá a limpeza, professore­s e brinquedos. Mas não é uma solução sem perdas. A institucio­nalização de crianças muito pequenas, por boa parte do dia, torna mais difícil o fortalecim­ento de vínculos familiares, importante tanto para as mães como para os filhos.

Não é por acaso que países com bons sistemas educaciona­is retardam a entrada em creches, muitos até os três anos. Preferem investir em outras formas de suporte à mãe que trabalha, estuda e não conta com família estendida.

No caso brasileiro, vale a pena conhecer a experiênci­a de Boa Vista, que, em condições desafiador­as, integra os serviços de apoio à infância, priorizand­o o atendiment­o às famílias abaixo da linha da pobreza e evitando que os pequenos entrem em creches antes dos três anos. E a partir dessa idade, os centros infantis as recebem com um bom currículo, livros e brinquedos apropriado­s e professore­s preparados.

Só assim se começa a criar igualdade de oportunida­des de verdade.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil